sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Administração Pública: Relembrando Definições E Propondo Algumas Considerações

Considera-se Administração Pública como todo o aparelho do Estado, predisposto à concretização de seus serviços, objetivando à satisfação das necessidades da sociedade.

Administrar numa concepção mais ampla, também é gerir os serviços públicos de forma a planejar, organizar, dirigir e governar, exercendo a vontade do Estado, mas com a finalidade maior de beneficiar a sociedade oferecendo uma qualidade excelente.

Há de se entender que é notório a vinculação entre o serviço público e a Administração Pública, de tal forma que nessa associação prevalece a execução privativa desta última fazendo com que o primeiro funcione eficazmente.

Os serviços públicos são indispensáveis à população e privativos a esse tipo de Administração. Quando nos reportamos a outros serviços que não sejam os governamentais percebemos que organismos não-governamentais até praticam boas ações para com a sociedade, entretanto, não têm a obrigatoriedade da execução e do cumprimento dessas ações como se observa no papel do Estado.

É como ressalta Bandeira de Melo, em sua obra Elementos do Direito Administrativo (1981): “a administração pública é obrigada a desenvolver atividade contínua, compelida a perseguir suas finalidades públicas”. Extraí-se daí a exigência de forma a cumprir a lei para bom usufruto do interesse público.

A partir da exposição acima, nota-se a diferença entre a Administração Pública e a Particular. Enquanto na primeira não existe a liberdade pessoal, na segunda percebe-se que em se tratando de ações é lícito fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, ainda com a vantagem de utilização da pessoalidade.

O Estado, então, pratica a gestão de atividades às quais lhes são próprias e por consequência exclusividade correlata ao interesse público. Curiosamente, em relação ao desenvolvimento de vida das empresas nessa Administração Particular já citada, observa-se as etapas do ciclo de vida das empresas bem posto: Introdução, Crescimento, Maturidade e Declínio ou Morte. Já na Administração Pública por ter o Estado uma natureza perpétua, quaisquer acordos, contratos assinados em seu nome perduram, ainda que se altere a forma de governo, isto nos traduz a demonstração de que o Estado até pode mudar de governantes, todavia passa por um ciclo de vida em que as etapas diferem em desenvolvimento principalmente nas últimas. É como nos comprova Paul Beaulieu, em L'Etat Moderne et ses Fonctions (1900): “o Estado é o representante da perpetuidade social: ele deve velar para que as condições gerais da existência da nação não de deteriorem jamais”

É satisfatório e concluível que: o Estado não é o fim dos homens, mas um fim entre os homens; um meio que proporcione o bem-estar destes nas suas relações sociais, apoiado numa organização, profícua ao regime de liberdade, justiça e prosperidade.

Para finalizar, demonstra-se a definição de Paul Derez em Lês actes de Governement, que nos diz: “a Administração é a atividade funcional concreta do Estado que satisfaz as necessidades coletivas em forma direta, contínua e permanente, e com sujeição ao ordenamento jurídico vigente”.

Autor: Flávio Andrade é graduado em Administração pela Universidade Estadual do Maranhão, pós-graduado em Administração pública e é mestrando profissional em Gestão Estratégica de Pessoas (MBA). Atua também como professor convidado pelo SENAC, é palestrante e consultor pela Maranhão & Assessores, onde trabalha nas áreas de Marketing, RH, Planejamento Estratégico e Empreendedorismo.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

COMO MELHORAR A GESTÃO PÚBLICA?

Um instrumento importante para melhoria da Gestão Pública é a educação na perspectiva de melhoria da ética e das técnicas abordadas em todos os setores.

O modelo instrutivista que ocorre hoje em toda administração pública trouxe problemas sociais, pois traz dificuldade de análise crítica da realidade, que só conseguem atender aos descritos nos manuais, sem a possibilidade criativa de intervir em processos simples de atendimento a população. A flexibilidade de processos facilitaria a vida da sociedade, provocando melhorias de tempo, aumento da qualidade de atendimento e diminuição da burocratização.

Não podemos incentivar a amputação do pensamento ao desenvolvimento de habilidades nas repartições públicas espalhadas pelo país. Nenhum país do mundo conseguiu desenvolver-se sem desenvolvimento das competências básicas da educação, que atualmente são ancoradas nos 4 pilares da Educação da UNESCO que é o "Aprender a Conhecer" (raciocínio lógico e outros) que estabelece a competência cognitiva (uma parte do pessoal mal conhece o próprio serviço, o setor que pertence e a importância de sua atividade no contexto da sociedade, com exceções); "Aprender a Fazer" (formação técnico-profissional) competência produtiva, questionada neste artigo, pela falta de comprometimento com a educação e treinamento nas gestão pública para melhoria de processos e socorro a população; "Aprender a Conviver" (campo das atitudes e valores) como uma competência relacional, sem a interlocução e dinâmicas de atendimento eficientes interfere na qualidade da execução de serviços; "Aprender a Ser" (desenvolvimento do indivíduo) competência pessoal, todos aqueles que trabalham no órgão público precisam amar o próximo, aprender a respeitar as pessoas e ter uma visão de que está naquele emprego para servir a sociedade e não para fazer favores.

Como cada pessoa é um sujeito do aprendizado na construção da cidadania, porque não desenvolver processos pedagógicos de interação real com as condições do atendimento assistido pela aquela unidade de atendimento público. Podemos observar eficiências como, por exemplo, nos Poupa Tempo, em algumas unidades do INSS, mas porque esta não é a realidade no atendimento público de todas as repartições espalhadas pelo Brasil nas esferas municipais, estaduais, federais, autarquias e fundações, o que nos falta? Comprometimento? Vontade? O quê?

Nas escolas do Brasil observamos ainda o ensino escolástico que condena a espontaneidade, o desejo, o prazer de viver e a criatividade. A sociedade moderna não consegue mais viver com moderno e o conservador, em que os alunos são agentes passivos do processo, porque a mídia e a internet são dinâmicas e a realidade escolar está ultrapassada. Portanto não estamos formando profissionais para o mercado de trabalho cada vez mais exigente e seletivo. Os alunos não podem mais ser apenas ouvintes, mas participativos, na construção do aprender, no desenvolvimento da crítica, tão temida pelos professores, porque coloca o aluno numa condição de co-participante do aprendizado e influenciador no processo de conhecimento da sala de aula. A imposição da verdade ainda é dita e empregada nas escolas assim como em todos os Órgãos Públicos, mas como combater este processo e dar maior transparência a todo processo de ensino? Soluções existem. Temos coragem para mudar esta realidade?

O professor ainda fragilizado por um sistema que dita regras impõe sobre a sociedade uma mediação de conhecimentos sobre realidades distintas, chegou à hora da sociedade aprender a ver as novas oportunidades da democracia.

Para melhoria dos processos de gestão pública e administração mais adequada dos recursos públicos são necessárias ações de educação que trabalhem na problematização centradas do cotidiano da vida local, com observação, análise, avaliação e cooperação para superação dos conflitos sociais existentes e provocar um aprimoramento da gestão pública.

Existem ferramentas de tecnologia culturalmente compatíveis, basta à vontade dos gestores públicos de quererem mudar esta realidade.

Autor: Welinton dos Santos é economista e psicopedagogo
Delegado de Economia de Caçapava

Novo Enfoque Da Gestão Pública Sócio-Ambiental No Brasil: Um Estudo Sobre As Políticas Públicas Sócio-Ambientais Na Administração Pública Brasileira


1 INTRODUÇÃO

O atual modelo de Estado e de Administração Pública no Brasil busca garantir e respeitar a pluralidade cultural, a sociodiversidade, os direitos difusos e coletivos, também interpretados como direitos sócio-ambientais conforme a Carta Maior. O socioambientalismo no Brasil é caracterizado pela busca do desenvolvimento não só da sustentabilidade de ecossistemas, espécies e processos ecológicos, mas também a sustentabilidade social e cultural por meio de políticas públicas sociais. Desta forma, busca-se identificar o papel das políticas públicas sob o enfoque sócio-ambiental e compreender a sua proposta de mudança na construção de uma nova democracia no Brasil e de uma nova gestão pública.
Neste sentido, destaca-se os novos direitos conforme a Constituição de 1988 e a influência do movimento sócio-ambiental para as políticas públicas sociais. Em primeira instância, busca-se fazer uma contextualização do Estado Democrático no mundo no Brasil e a gestão pública democrática participativa. Num segundo momento, estuda-se conceito de políticas públicas, os novos direitos e a relação da emergência do socioambientalismo na construção das políticas públicas no Brasil.

2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A GESTÃO PÚBLICA SÓCIO-AMBIENTAL NO BRASIL: CONTEXTUALIZAÇÃO

Partindo da análise da evolução histórica do Estado de Direito no mundo, observa-se que os diferentes modelos de Estado construídos ao longo da história moderna estão representados pelo Estado Liberal, no século XVIII, a partir da Revolução Francesa passando para o Estado Social ou Estado Providência, durante o século XIX, e posteriormente, para o de Bem-estar Social e Estado Democrático de Direito, a partir de meados do século XX. A importância de pesquisar o Estado Democrático de Direito brasileiro está no processo de construção de um novo Estado, mais eficiente, mais cidadão, de caráter social, democrático e principalmente participativo. Neste cenário, estão também inseridas as diferentes correntes de Administração Pública.
Identifica-se atualmente, que o Estado de Direito tenta firmar o papel da promoção dessa nova liberdade. Observa-se também, as transformações ocorridas na passagem do Estado Moderno para o Estado Contemporâneo que atingem tanto a área do Direito como a da Administração. Assiste-se um descortinar dos chamados novos direitos dentro de uma nova percepção de realidade. Constata-se que os direitos estão intimamente ligados a noção de Estado e de Sociedade.
Num primeiro momento, busca-se investigar desde suas raízes, o Estado de Direito, conforme a Carta Maior, com o objetivo de compreender a importância da construção de uma Administração Pública Democrática Participativa no Brasil.
Nesta direção, nos anos 90, encontramos no Brasil, a reforma do Estado. Esta teve como objetivo a redefinição da organização da Administração Pública, com o intuito de superar mazelas e assim implantar uma Nova Administração Pública. Analisar a reforma administrativa no Brasil é também investigar o estado de direito brasileiro, pois ocorrem alterações do texto constitucional que envolvem novas orientações jurídico-políticas. (Bortoli, 2000.p.02)
Destaca-se que a participação popular no Estado de Direito proporciona um avanço nas formas de controle da Administração. Sublinha-se que através da participação, a coletividade fiscaliza de maneira ativa os abusos cometidos na Administração Pública. É portanto, uma forte ferramenta na construção do Estado Democrático de Direito, assim como a efetivação dos direitos humanos. Houve um crescimento da Administração Pública sobre a vida social e desta forma, acentuou-se a necessidade da criação de novos mecanismos objetivando a proteção dos cidadãos.
Neste sentido, busca-se efetivar e remodelar o estado de direito brasileiro composto pelos diversos ‘atores sociais e políticos’ da sociedade, pelos cidadãos ativos que buscam atuar em diferentes espaços públicos de participação. Hoje, o estado de direito se firma no papel da liberdade identificada pelos direitos fundamentais tanto de cunho coletivo quanto individual e pelos direitos humanos.
O Estado de Direito garante em lei - na Carta Maior, Constituição de 1988, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político. Assim como, o exercício dos direitos sociais (educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados) e individuais (a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos).
O Estado de Direito garante ainda, que todos brasileiros ou estrangeiros domiciliados no país, estejam submetidos ao mesmo regime de direito, ou seja, ao mesmo conjunto de regras.
Entende-se que esta forma jurídica consagra-se pelo princípio da legitimidade na modernidade, onde existe subordinação do poder às leis gerais.
Para Perez (2004), o Estado de Direito na atualidade não pode ser considerado simplesmente organizado com base na lei. Destaca que o Estado de Direito é aquele que possui sua atuação pautada no Direito, sendo pela Constituição, pelos princípios gerais do Direito, pelas leis e regulamentos.
Conforme Canotilho (1993), o Estado de Direito deve possuir a promoção da liberdade, a realização dos direitos humanos e se serve de um Direito renovado por ferramentas de atuação que aproximem a sociedade e o Estado, que rompa com as fronteiras que os separam e que possibilitem a participação do cidadão.
O Estado Democrático de Direito é o exercício da democracia e da participação dos cidadãos de maneira plena e clara, onde o povo é dono do poder político e participa de forma livre de acordo com seus ideais. Neste sentido, questiona-se a existência de um Estado Democrático de Direito no Brasil.
Fazem parte da realidade sócio-ambiental brasileira as populações envolvidas e atingidas em situações de injustiça sócio-ambiental. São elas: as crianças, mulheres, populações indígenas, populações litorâneas e ribeirinhas (pescadores e caiçaras, populações urbanas marginalizadas, quilombolas e afro-descendentes, trabalhadores/as e populações rurais, trabalhadores/as extrativistas, trabalhadores/as industriais e urbanos(as) entre outros.
Para Bobbio (1992), “O Estado de direito é o Estado dos cidadãos.” No Estado de Direito o indivíduo tem uma maior amplitude em relação aos modelos anteriores de Estado porque envolve os direitos privados e públicos. O Estado de Direito pode ser entendido como uma evolução dos modelos de Estado liberal e social porque envolve em torno de si princípios de proteção da liberdade humana, com o princípio de justiça social, os quais correspondem às ambições do Estado Social.
O Estado de Direito nasce, a partir da incapacidade do modelo liberal, diante da exclusão social acelerada nas sociedades pós-industriais, assim como a negação de um modelo de Estado Social que venha limitar, a expansão do capital. Em seu eixo, agrega-se a proteção de uma concepção de democracia, segundo a qual os direitos fundamentais devem ser concretizados pelo Estado a partir das diretrizes da Constituição Federal de 1988. (Appio, 2004)
Neste sentido, observa-se que o Estado de Direito tem correlação com conteúdo Estado Social, porque esse tem através dos direitos sociais, identificados como os direitos de participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida, uma via, um caminho por onde a sociedade entra no Estado modificando sua estrutura formal, promovendo transformações. Entende-se que houve um processo de integração do Estado político com a Sociedade Civil alterou-se significativamente a forma jurídica do Estado , assim como os processos de legitimação e a estrutura da administração. (Bobbio,1998).
A realidade da gestão sócio-ambiental pública brasileira atual está muito distante do próprio conceito de socioambientalismo, porque existe um abismo entre as questões sociais, isto é, a dura realidade das minorias e ambientais no que concerne ao conceito social.
Pensar a gestão sócio-ambiental significa compreender que o socioambientalismo é o desenvolvimento não só da sustentabilidade de ecossistemas, espécies e processos ecológicos, mas também a sustentabilidade social e cultural. de coletividades específicas, por exemplo, os indígenas. A primeira refere-se à sustentabilidade baseada na biodiversidade e a segunda refere-se à questão do reconhecimento do sujeito no Estado de Direito da sociodiversidade existente no Brasil.(Santilli, 2005)
A palavra socioambientalismo não está inserida na Constituição de 1988. O que existe é a compreensão dos direitos socioambientais a partir de direitos coletivos (meio ambiente, patrimônio cultural), inscrito na Constituição. Inicialmente, identifica-se o socioambientalismo como um processo histórico de redemocratização do país, iniciado com o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e a realização de eleições presidenciais diretas, em 1989. (Santilli, 2005)
Sua emergência baseou-se no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só funcionam com eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais.
É fundamental amadurecer a visão sócio-ambiental pois desta forma amplia-se a percepção de que as políticas públicas para o meio ambiente e desenvolvimento sustentável devem levar em consideração as demandas e os contextos socioculturais das populações locais em sua diversidade. Além disso, passa-se a considerar que a sustentabilidade deve ser tanto ambiental quando social e econômica.
Sabe-se que no Brasil, a cultura dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas fazem parte nossas raízes e principalmente da nossa história, produzem conhecimentos e inovações nas artes, literatura e ciências. Manifesta-se por meio de desenhos, danças, lendas, músicas, técnicas de manejo dos recursos naturais, de caça e pesca, a utilização das propriedades medicinais e alimentícias das espécies existentes nas regiões onde vivem. Verifica-se que tais conhecimentos, considerados bens intangíveis, vem ganhando ‘atenção’ nas sociedades industriais, pelo potencial de exploração econômica, em destaque a área de biotecnologia. Porém não reconhecem os direitos associados desses povos. (Santilli, 2005)
Neste sentido o socioambientalismo originou-se na idéia de políticas públicas ambientais envolvidas com as comunidades locais detentoras de conhecimentos e de práticas de caráter ambiental. O socioambientalismo permite desenvolver a sustentabilidade de maneira mais ampla possibilitando que num país denominado pobre, com diferenças sociais, desenvolva-se a sustentabilidade social, além da sustentabilidade ambiental, de espécies e ecossistemas.(Guimarães, 2001).
O socioambientalismo abrange uma ampla variedade de organizações não-governamentais, movimentos sociais e sindicatos, que envolve a questão ambiental e social como uma dimensão de importante atuação. (Leis,1995)
Inclui-se também diversos movimentos sociais, tais como: movimento dos seringueiros, a interação com grupos ambientalistas permite-lhes elaborar o programa das reservas extrativistas, de relevância internacional depois do assassinato de Chico Mendes; os movimentos indígenas, a interação com grupos ambientalistas que abordam de forma mais ampla a questão da proteção ambiental de sua luta e pela demarcação de reservas; o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra que em algumas regiões tem avançado na direção da “reforma agrária ecológica”; setores dos movimentos de moradores tem incorporado a proteção ambiental através de diversos mecanismos (questionamento de fábricas poluidoras, demanda de saneamento básico ao poder público, mutirões para cuidado de áreas verdes e limpeza de córregos e lagoas; entre outros movimentos.
O maior desafio do socioambientalismo é conciliar as atividades produtivas necessárias para a sobrevivência de grupos sociais com a garantia de manutenção dos recursos naturais. Nesse sentido, entre as décadas de 1980 e 1990, inúmeras iniciativas e outras organizações comunitárias de base local procuravam associar ações de desenvolvimento e de conservação ambiental.(Santos, 2005)
Sabe-se que o socioambientalismo está em processo de construção, apesar de ter avançado nas últimas décadas na construção de alianças estratégicas entre o ambientalismo e outras vertentes do movimento social tomado de forma mais ampla. Isso reforça a necessidade de espaços públicos nos quais possam ocorrer a interlocução, o diálogo entre os diferentes e a viabilização de alternativas. Embora deva-se considerar a importância estratégica de uma aliança entre os movimentos sociais, Ongs ambientalistas ou de desenvolvimento e seus efeitos positivos para a construção de alternativas para a formulação de políticas públicas, é preciso reconhecer que essa aliança ainda representa grande desafio. (Santos,2005)
É cada vez mais consensual as exigências de ordem ambiental, social e política fazer parte da pauta de amplo grupo de atores sociais, ao passo que são necessários espaços de articulação intersetorial nos quais se possam equacionar dos diversos interesses, necessidades e pontos de vista sobre o processo de desenvolvimento.
Identifica-se alguns pilares para um regime jurídico de garantia dos direitos desses povos, entre eles: o reconhecimento da titularidade coletiva de seus conhecimentos, evitando a exclusão de uma ou mais comunidades detentoras dos saberes em questão, e possíveis rivalidades entre elas; o reconhecimento dos sistemas de representação e legitimidade dos povos, por meio de um pluralismo jurídico; uma definição mais clara de população tradicional, que ainda é polêmica e deixa vulneráveis essas comunidades; o estabelecimento do consentimento informado processual como procedimento obrigatório para o acesso, uso e patenteamento da biodiversidade e conhecimentos associados.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS : CONTEXTUALIZAÇÃO

As políticas públicas são consideradas atividades típicas do Estado social de direito e conseqüência direta da necessidade de participação social em sua efetivação. A autora compreende por políticas públicas, a organização sistemática dos motivos fundamentais e dos objetivos que orientam os programas de governo relacionados à resolução de problemas sociais. (Bucci, 2002)
As políticas públicas permitem romper com as barreiras que separam a administração pública da sociedade. Esta passa a participar da concepção, da decisão e da sua implementação. Pode-se citar as audiências públicas e as consultas públicas, como exemplos práticos da participação na elaboração das políticas públicas. Já o plebiscito administrativo, o referendo, as comissões de caráter deliberativo são exemplos da participação no processo de decisão. Exemplos de execução de políticas públicas são as comissões de usuários, a atuação de organizações sociais ou de entidades de utilidade pública e a expansão dos serviços públicos. (Perez, 2004)
Entende-se que a relação entre o Estado, às classes sociais e a sociedade civil, proporciona o surgimento de agentes definidores das políticas públicas. A partir do contexto da produção econômica, cultura e interesses dos grupos dominantes são construídas as políticas públicas, sua elaboração e operacionalização, de acordo com as ações institucionais e, em particular. (Boneti, 2006)
Constata-se a predominância dos interesses das elites econômicas camuflados nas diversas políticas públicas, porém com objetivos de expansão do capitalismo internacional. Utilizam-se de temas atuais como o desenvolvimento sustentável para transmitir uma imagem positiva de preocupação e engajamento no desenvolvimento social e ambiental.
Percebe-se que é inviável considerar a formulação de políticas públicas a partir somente da determinação jurídica, fundamentada em lei, como se fosse uma instituição neutra. Deve-se levar em consideração a existência da relação entre o Estado e as classes sociais, em particular entre o Estado e a classe dominante. (Boneti, 2006)
Pode-se pensar também, as políticas públicas como algo relacionado com o público, a arte ou a ciência de governar, de administrar e de organizar. A expressão ‘políticas públicas’ é uma ação voltada ao público e que envolve recursos públicos. Pode-se considerar, que medidas de intervenção meramente administrativas, por parte do Estado, sem mesmo envolver o orçamento público, são consideradas políticas públicas. (Boneti, 2006)
A tarefa de conceituar políticas públicas envolve certa ‘complexidade’ na dinâmica da sua formulação e sua operacionalização. É preciso analisar desde o surgimento da idéia, sua elaboração até o amadurecimento da mesma, sua efetivação, resultando numa ação pública.
Deve-se ir além de avaliar seus resultados em relação ao atendimento aos direitos sociais. Sabe-se que as políticas públicas envolvem a organização da sociedade civil, os interesses de classes, os partidos políticos e agentes responsáveis pela sua elaboração, operacionalização e controle.
No que se refere política pública governamental, pensa-se que sendo a política pública um processo sujeito a pressões e articulações políticas, ela pode ser entendida como uma ação intencional de Governo, instrumentalizada pelo Estado, cujo impacto está dirigido a um segmento majoritário da população, ou como um conjunto de ações (ou omissões) que manifestam determinada modalidade de intervenção do Estado, em relação a uma questão que seja de interesse para outros atores da sociedade civil.
Já uma política pública de cunho social pode ser entendida da mesma forma, ou seja, como uma ação de Governo destinada a melhorar o bem-estar ou a qualidade de vida dos cidadãos, provendo-os de serviços e renda, ou então como uma ação deliberada das classes dominantes para manter o trabalhador assalariado sob domínio do capital.
Um terceiro enfoque, de acordo com o modelo liberal, diz que a política social objetiva permitir aos indivíduos a satisfação de certas necessidades não levadas em conta pelo mercado, isto é, o Estado só tem a responsabilidade de atender aos setores mais pobres, cuja capacidade financeira não lhes permite custear as suas necessidades mínimas. Entende-se a política pública como a estratégia de ação e metas desejadas (parte pragmática), num processo de decisão política, construído socialmente, de acordo com os interesses dos segmentos envolvidos. (Carvalho, 2000)
É interessante, aclarar uma distinção entre políticas de Estado e políticas de Governo. Entendemos como políticas de Estado, determinadas idéias e princípios que se caracterizam pelo seu caráter de permanência, da legimitidade junto à sociedade e junto à burocracia e pela sua materialização em textos legais e em instituições específicas.
Abaixo desta superestrutura existem os governos, que são gestores temporários destas políticas de Estado. Conciliar estes dois aspectos (a estrutura e a conjuntura) é um dos problemas mais complexos da administração pública, pois cada governo vai querer, dar a sua interpretação pessoal sobre os princípios de ação do Estado, de acordo com a sua tendência política e articulações de interesses.
É por este motivo que se fala em ‘reforma do Estado’, que nada mais é do que uma inversão de princípios e de valores, pois ao invés do governo se adaptar às normas constitucionais procura reformar as leis e as instituições moldando-as de acordo com seus interesses políticos e administrativos.
Quanto aos diferentes tipos de política pública, define-se como intervenções do Estado, de três tipos: distributivas, redistributivas e regulatórias. Estas últimas envolvem uma decisão de curto prazo a respeito de quem serão os beneficiados diretos de uma política determinada. Já políticas distributivas vão se acumulando ao longo do tempo e envolvem todos os setores institucionais envolvidos. Por outro lado, as decisões de caráter redistributivo têm sentido muito mais amplo e consideram a sociedade dividida em diferentes classes e setores sociais.
No Brasil, as políticas públicas muitas vezes beneficiam grupos sociais específicos, regiões, municípios, ou seja, são sempre beneficiados os segmentos sociais com maior força política no poder legislativo e com maior força financeira nos meandros da sociedade civil. Uma política pública após sair da instância legislativa e passar pelo setor burocrático segue em direção a sua operacionalidade, comandada por agentes do partido político que se diz autor do projeto.
Significa dizer que uma política pública, da elaboração a sua operacionalização, envolve uma rede de micro poderes contribuindo com o fortalecimento e interesses específicos de cada instância do poder. As pessoas que entram em contato com as políticas públicas no decorrer de suas longas trajetórias, não pensam de modo uniforme, não tem a mesma interpretação de intervenção na realidade, etc. As políticas públicas, ao longo de seus percursos, são contaminadas por interesses, inocências e sabedorias. (Boneti, 2006)

4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIOAMBIENTAIS NA CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE PARTICIPAÇÃO E OS NOVOS DIREITOS NO BRASIL

O conceito de socioambientalismo faz parte da definição jurídica brasileira, isto é fato. O Poder Judiciário é responsável pela aferição do cumprimento da função legal em prol do socioambientalismo. O Poder Judiciário tem demonstrado inoperância na fiscalização da função sócio-ambiental, especialmente quando as ações têm por objeto conflitos coletivos. Nesses casos, há um número elevado e crescente de violações aos direitos humanos. Exemplificam- se aqui os inúmeros casos de desrespeito aos índios.
Este ponto do artigo relaciona o campo das políticas públicas com a temática sócio-ambiental, tendo por referências o enfoque ecossocial, a ecologia política e o movimento pela justiça social, ambiental, cada qual destacando uma dimensão específica.
No enfoque ecossocial destaca- se a dimensão do conhecimento cultural, com ênfase no desenvolvimento de análises integradas, sem a qual a luta política poderia recair sobre ideologias simplistas baseadas em ciências positivistas e fragmentadas, as quais ignoram a complexidade dos problemas sócio-ambientais e suas incertezas;
Na abordagem da ecologia política e no conceito de justiça ambiental enfatiza- se a dimensão do poder e do Estado a partir da (re)produção das relações de dominação centro-periferias marcadas pelo desprezo sobre as pessoas e a natureza; e finalmente
No movimento pela justiça ambiental realça-se a dimensão da ação gerada pela consciência que inúmeros problemas ambientais possuem em sua origem em um modelo de desenvolvimento injusto, particularmente para com as populações mais pobres e discriminadas.
Nesse sentido, destaca- se a experiência da Rede Brasileira de Justiça Ambiental como um exemplo estratégico para o enfrentamento de problemas socioambientais em países latino-americanos como o Brasil.
Do ponto de vista da responsabilidade social no tocante ao meio ambiente, pode-se dizer que se o Estado de Direito garante ao cidadão direitos capazes de assegurar a dignidade humana, pode-se dizer que as premissas sócio-ambientais estão preconizadas na legislação brasileira.
No tocante aos novos direitos, para Bobbio (1992) a denominação dos novos direitos está relacionada com o desenvolvimento e com a mudança social. Esses são os fatores condicionantes para o ‘nascimento’, a ampliação e a universalização dos novos direitos. Ocorre uma espécie de multiplicação histórica dos novos direitos.
A própria expressão novos direitos já indica que é necessário apresentar um recorte específico sobre sua denominação e seus instrumentos que os viabilizam. É preciso identificar a efetividade dos direitos e sua concepção de cidadania envolvida, para posteriormente perceber sua relação com as políticas públicas sócio-ambientais na construção de espaços públicos de participação.
Entende-se que os direitos de cidadania são típicos do Estado e do Direito no Século XX e por isso fazem parte da categoria de ‘novos’ direitos. A cidadania é também entendida como os direitos que decorrem da relação de participação que se estabelece entre Estado e todos os integrantes da Sociedade Civil, da qual aquele é instrumento, seja numa perspectiva individual, seja coletiva.
Percebe-se um descortinar dos chamados novos direitos dentro de uma nova percepção de realidade. Enxerga-se a transformação de direitos tradicionais em direitos com uma forte carga social. São as necessidades, os conflitos e os novos problemas de caráter social e ambiental, colocados pela sociedade atual que permitem surgir ‘novas’ formas de direitos como um verdadeiro desafio.
Da mesma forma, a partir dessa realidade social, as políticas públicas são inseridas neste contexto social e político, de maneira mais ampla e não somente como a aplicação dos recursos públicos. Interessa consignar aqui, que os novos direitos são consagrados pelo socioambientalismo, resgatam e reforçam a dimensão democrática participativa das políticas públicas.
Entende-se que a Constituição de 1988, além de traçar rumos ao modelo de Estado e ao modelo de administração, inaugura os ‘novos’ direitos e, portanto novas políticas públicas para o Estado e a coletividade. Estes chamados novos direitos podem ser inseridos no conjunto teórico a que denominamos direitos sócio-ambientais.
Observa-se que no Estado, o tema dos ‘direitos’ esteve muito presente nos debates da sociedade política. Vemos nas últimas décadas deste século, a criação de leis e orientação para políticas públicas que envolvem a administração pública. Num primeiro momento essas discussões aparecem na área dos direitos humanos e políticos, ao final do regime militar. Posteriormente, têm-se os direitos sociais, no período de transição para a democracia, especialmente na fase da elaboração da Constituição de 1988 e ao final dos anos 90 e início deste novo milênio, os direitos culturais, ligados ao tema da justiça e da eqüidade social. (Gohn, 2005)
Interessa-nos nesta pesquisa observar que os novos direitos estão ligados aos direitos que decorrem da ‘relação de cidadania’ e abrem caminhos para a ‘participação cidadã’ na gestão de um Estado mais democrático e participativo. Estão relacionados com as políticas públicas e a administração pública. Eles envolvem o Estado e a Sociedade com o exercício da cidadania. Portanto, esses ‘novos’ direitos emergiram no final do século XX e projetam grandes e desafiadoras discussões nos primórdios do novo milênio.
Percebe-se que os novos direitos estão diretamente relacionados com as necessidades humanas essenciais de cada época. Estão em permanente redefinição e criação dentro do seu contexto histórico, abrindo espaço para múltipla gama de direitos emergenciais. Essas necessidades são diversas como: qualidade de vida, bem-estar, materialidade social, políticas, religiosas, psicológicas, biológicas e culturais. São as situações de carência que constituem a razão motivadora para a possibilidade dos novos direitos. (Wolkmer, 2003)
Não obstante, todas as modificações sociais do Estado e do surgimento de direitos totalmente diversos do direito típico do Estado moderno (de cunho ‘individualista’), os operadores do direito, muitas vezes persistem em trabalhar com conceitos que não correspondem com a atualidade, operando no interior de uma outra realidade.
Nesse rumo, as últimas décadas o debate sobre os espaços públicos no Brasil emergiu impactando a elaboração da Constituição aprovada em 1988. Sabe-se que tais desdobramentos foram baseados no processo de redemocratização do país, no critério da participação popular na gestão públicas. Por conseguinte, o texto constitucional estabeleceu importantes estratégias voltadas a participação popular na gestão de políticas públicas por meio de conselhos gestores.
Este novo desenho de Estado leva a uma nova concepção de suas funções, de suas políticas, de suas relações com a sociedade civil e de um aumento da capacidade e da vontade dos cidadãos, para tomar controle de suas vidas, para transformá-las e melhorá-las. Dentro deste novo ambiente mundial, com todas as influências, pensa-se nas políticas públicas de forma mais ampla. (Carvalho, 2000)
No tocante aos aspectos políticos, a sociedade brasileira amadureceu sua opção pela via democrática. Destaca-se que os conceitos como transparência, participação e controle social estão cada vez mais presentes nos debates, visto como um desafio.
É certo a relação indissociável entre os aspectos sociais e ambientais atualmente. Reconhecemos que na sociedade os problemas antes vistos pela ótica da ecologia e do meio ambiente hoje são analisados por um prisma sócio-ambiental. Reformulou-se a legislação ambiental brasileira e criou-se um sistema nacional de unidades de conservação. Tornou-se forte a noção de desenvolvimento sustentável, assim como a argumentação de diversos setores ou segmentos sociais. Vemos a presença do socioambientalismo envolto em políticas públicas e nos espaços públicos de participação.
Interessa-nos observar que o movimento ambientalista passou por mudanças significativas, migrando do preservacionismo para o socioambientalismo, na medida em que a noção de sustentabilidade passa a englobar também os aspectos sociais econômicos inerentes ao desenvolvimento sustentável.
É cada vez mais consensual o entendimento que os problemas sócio-ambientais vividos pela sociedade brasileira podem ser solucionados pela negociação e pelo aperfeiçoamento das estratégias e mecanismos de regulação do uso dos recursos naturais. A busca de soluções para esses problemas depende do aprimoramento institucional da sociedade e do aumento da sua capacidade de balancear os interesses e pontos de vistas relacionados ao uso de recursos naturais.
Confirma-se que a participação popular e o aumento das capacidades e habilidades dos atores sociais são essenciais na busca de soluções para problemas na sociedade atual. Somente pela ação coletiva e pela consolidação de espaços públicos, nos quais os diversos interesses e pontos de vista possam se fazer ouvir e representar, é que os problemas socioambientais podem encontrar soluções democráticas, de eqüidade e sustentabilidade que norteiam o desenvolvimento sustentável.

5 MOVIMENTO SOCIOAMBIENTAL NO BRASIL

O socioambientalismo originou-se na idéia de políticas públicas ambientais envolvidas com as comunidades locais detentoras de conhecimentos e de práticas de caráter ambiental. O socioambientalismo permite desenvolver a sustentabilidade de maneira mais ampla possibilitando que num país denominado pobre, com diferenças sociais, desenvolva-se a sustentabilidade social, além da sustentabilidade ambiental, de espécies e ecossistemas. Verifica-se ainda um abismo entre as questões sociais e ambientais no Brasil. Necessita-se criar uma ponte para que possa unir estas duas questões fundamentais para a sustentabilidade social vista aqui de forma ampla. O socioambientalismo traz a tona esse desafio. (Santilli, 2005)
O socioambientalismo abrange uma ampla variedade de organizações não-governamentais, movimentos sociais e sindicatos, que envolve a questão ambiental e social como uma dimensão de importante atuação. O socioambientalismo inclui diversos movimentos sociais, tais como: movimento dos seringueiros, a interação com grupos ambientalistas permite-lhes elaborar o progama das reservas extrativistas, de relevância internacional depois do assassinato de Chico Mendes; os movimentos indígenas, a interação com grupos ambientalistas que abordam de forma mais ampla a questão da proteção ambiental de sua luta e pela demarcação de reservas; o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra que em algumas regiões tem avançado na direção da “reforma agrária ecológica”; setores dos movimentos de moradores têm incorporado a proteção ambiental através de diversos mecanismos (questionamento de fábricas poluidoras, demanda de saneamento básico ao poder público, mutirões para cuidado de áreas verdes e limpeza de córregos e lagoas; entre outros movimentos). (Hogan, & Vieira, 1995.p.88).
No que se refere a sustentabilidade social, trata-se de instituir como valor primordial na agenda de prioridades sociais, a busca de satisfação das necessidades básicas e intangíveis das populações. Neste sentido, o desenvolvimento social é avaliado pela maneira como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, em nível global, quanto mais diverso e menos desigual.
Desta forma, pode-se contribuir para a redução da pobreza e das desigualdades sociais e promover valores como a justiça social e eqüidade. O novo paradigma de desenvolvimento proposto pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social e na gestão ambiental.
A emergência do socioambientalismo baseou-se no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só funcionam com eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais.(Santilli, 2005)
Sabe-se que no Brasil, a cultura dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas fazem parte das nossas raízes e principalmente da nossa história, produzem conhecimentos e inovações nas artes, literatura e ciências. Manifesta-se por meio de desenhos, danças, lendas, músicas, técnicas de manejo dos recursos naturais, de caça e pesca, a utilização das propriedades medicinais e alimentícias das espécies existentes nas regiões onde vivem. Verifica-se que tais conhecimentos, considerados bens intangíveis, vem ganhando ‘atenção’ nas sociedades industriais, pelo potencial de exploração econômica, em destaque a área de biotecnologia. Porém não reconhecem os direitos associados desses povos. (Santilli, 2005)
Estabelece-se, por meio da Constituição de 1988, as noções de titularidade coletiva de direitos, de uso e posse compartilhadas de recursos naturais e territórios, e de respeito às diferenças culturais. Porém, esses direitos são garantidos apenas para os povos indígenas e quilombolas, excluindo as comunidades locais, cujos territórios são considerados bens da União. Isso quer dizer que é deles, indígenas e quilombolas, o direito de usufruto exclusivo dos recursos naturais. Por isso, o acesso aos recursos genéticos desses territórios depende do consentimento prévio informado deles e da repartição justa de benefícios.
Entende-se que maior desafio do socioambientalismo é conciliar as atividades produtivas necessárias para a sobrevivência de grupos sociais com a garantia de manutenção dos recursos naturais. Nesse sentido, entre as décadas de 1980 e 1990, inúmeras iniciativas levadas a cabo por organizações comunitárias de base local procuravam associar ações de desenvolvimento e de conservação ambiental.

6 A CARTA MAIOR E A GESTÃO PÚBLICA SÓCIO-AMBIENTAL

Antes de compreender qual o papel da Carta Maior na Gestão Democrática Participativa no Brasil, cabe tecer o conceito de Constituição. Conforme Lassale (1998), na obra “A essência de uma Constituição”, aponta que a Constituição é mais do que uma simples lei, e desta forma não sendo como as outras, pode-se denominá-la de ‘lei fundamental da nação’, uma forma ativa’ que exige que as demais leis “sejam o que realmente são”. Para este autor a Constituição é uma questão de poder, pois reflete ‘ fatores reais e efetivos de poder’.
Portanto, a Constituição é o marco do denominado Estado Democrático de Direito. Trata-se da Lei Maior, garantidora dos direitos fundamentais e que organiza politicamente a nação. São as Constituições que estabelecem garantias fundamentais e organizam o Estado por meio de seus poderes.
O Brasil prevê em sua Constituição de 1988, no art.1º, o direito de participação, assim como importantes elementos que abrem caminho para a gestão pública democrática participativa no Brasil. Observa-se com freqüência que as palavras ‘participação’, ‘democracia participativa’, ‘os novos direitos’ estão cada vez mais presentes no contexto da atualidade. Faz-se mister uma nova cidadania’. É uma outra mudança, para uma outra democracia. Uma democracia participativa com o respaldo da Constituição brasileira.
Verifica-se a preocupação com a eficiência e a legitimidade. A Administração Pública atualmente, passa a adotar novos métodos de atuação voltados para a cultura do diálogo, de favorecer o trabalho da sociedade sobre ela mesma. Percebe-se que a administração depende da vitalidade das intervenções sociais e da dinâmica dos atores sociais. A Administração assume hoje a função de harmonizar o comportamento dos atores sociais, procurando ser mais transparente, distanciando-se dos modelos burocráticos puramente gerenciais e neoliberais.(Perez, 2004).
Entende-se que a participação é um processo de construção lento e gradual e, portanto, não é algo fácil, sem obstáculos ou dificuldades. Fica bem claro que é uma conquista contínua. A sociedade sempre girou em torno do poder e a teoria da participação não pode ignorar esse fato, sendo um forte obstáculo. Nesse sentido, Demo (1999) complementa, os possíveis defensores da participação ao assumirem o ‘poder’ podem se tornar seus inimigos, pois ela conduz às críticas e a divisão de possíveis privilégios.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o exposto, compreende-se que as políticas públicas sócio-ambientais exercem importante papel na construção desta gestão participativa, pois promovem a sustentabilidade social, além da sustentabilidade ambiental. Assim como os ‘novos’ direitos consagrados pelo socioambientalismo resgatam e reforçam a dimensão democrática participativa das políticas públicas.
Conclui-se que o Estado Democrático de Direito tem a responsabilidade de cumprir a lei e de assegurar os direitos e garantias fundamentais. A partir do momento que os consagra como ‘valores primordiais’, o Estado torna-se o maior responsável pela efetivação desses direitos. Observa-se que não é suficiente que os direitos e garantias fundamentais estejam elencados nos mandamentos legais para modificar um Estado em Estado Democrático de Direito, mas sim atuar de maneira organizada e coordenadora dos cidadãos para exigir a concretização desses direitos aos poderes executivo, legislativo e judiciário. Percebe-se a dicotomia que existe entre o direito nos textos e o direito na prática da sociedade brasileira, pois ainda está cercada pelos anéis burocráticos e Segmentos tecnocráticos, frações das classes dominantes reproduzindo estruturas sociais discriminatórias. Isto se reflete na sociedade como um todo, em diversas áreas como no direito e na administração.
A pesquisa realizada permitiu perceber que muitos problemas de caráter socioambiental afetam diretamente os cidadãos, porém no Brasil se tem a dificuldade de visualizar isto. As questões de cunho ambiental e seus conflitos, por exemplo, são na maioria das vezes designadas como assuntos para as elites políticas e econômicas. Porém, observa-se que as resoluções de questões ambientais solucionam juntamente os problemas sociais. O socioambientalismo permite desenvolver a sustentabilidade de maneira mais ampla possibilitando que num país denominado pobre, com diferenças sociais, desenvolva-se a sustentabilidade social, além da sustentabilidade ambiental, de espécies e ecossistemas. Verifica-se ainda um abismo entre as questões sociais e ambientais no Brasil. Necessita-se criar uma ponte para que possa unir estas duas questões fundamentais para a sustentabilidade social vista aqui de forma ampla. O socioambientalismo traz a tona esse desafio.
Neste sentido, entende-se que a Gestão Pública modelada para o Estado no Brasil, segundo a Constituição Federal de 1988, pode ser entendida como a Gestão Pública Democrática Participativa, pois considera a Administração Pública pautada por critérios de legitimação democrático-participativa. É importante ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988, representa um avanço no que tange ao modelo conceitual de estrutura Estatal, posto que também traça novos rumos à administração pública no país, de forma bem diferente das cartas magnas anteriores. O modelo de Gestão Pública Democrática e Participativa preconizado pela Constituição de 1988 reforça a natureza essencialmente coletiva dos novos direitos, dentre os quais destacam-se os direitos elaborados para os povos indígenas, para os quilombolas e a outras populações tradicionais.
Percebe-se, que embora a Constituição de 1988 signifique um avanço na legislação e gestão administrativa pública sócio-ambiental do país, sabe-se que o caminho ainda é longo e sta em constante construção. Enquanto não houver conscientização política das e nas coletividades, não haverá cobrança de direitos. A população brasileira necessita desenvolver a cultura educacional para discernir entre deveres e direitos e principalmente participar da elaboração, execução e implantação das políticas públicas no Brasil. Muitos são os fatores que contribuem com a distância entre a lei, a ordem gerencial pública e a realidade do contexto sócio-ambiental brasileiro, posto que a politização é uma necessidade educativa e urgente.

Fonte: Rejane Esther Vieira é formanda em Administração Pública pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC/ESAG) e Bacharel em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003/UFSC).E-mail:vieira.rejane@gmail.com
rejane@prsc.mpf.gov.br

INOVAÇÃO NA GESTÃO MUNICIPAL: BASES, LIMITES E POSSIBILIDADES

Schumpeter
1. Introdução:

A esfera municipal tem ganho crescente importância no Brasil nos últimos anos. Por um lado, o retorno à democracia levava à identificação de democracia com descentralização provocando um esvaziamento do Estado central para as esferas sub-nacionais de governo, principalmente a municipal. Por outro lado, a crise que se abate quase de forma generalizada sobre o mundo capitalista nos anos 80, e fortemente sobre o Brasil, faz com que se esgote não só a possibilidade do Estado desenvolvimentista como de qualquer tipo de ação mais abrangente e duradoura do Estado. Assim, as esferas municipal e estadual, mais a primeira até que a segunda, passam a ser depositárias das reais possibilidades de intervenção do Estado no novo quadro que vem se desenhando a partir da década de 80.

Nesta nova situação as esferas sub-nacionais têm que assumir não só tarefas que não estavam acostumadas a desempenhar, não tendo qualquer tradição ou conhecimento acumulado para tal, como também fazem isto em um contexto de crise quase permanente. Este quadro tem levado muitas administrações sub-nacionais, a buscar inovação na gestão de modo a dar conta de suas novas responsabilidades. Este trabalho versa sobre a questão da inovação na gestão pública buscando situar o que se entende por inovação no plano teórico e cotejando este desenvolvimento teórico com uma base empírica. Além do esforço de avançar a compreensão do tema da inovação na gestão pública em termos teóricos, este trabalho também se propõe construir categorias de inovação na gestão pública no Brasil.

O objeto empírico constitui-se de uma "amostra" de 100 (cem) experiências concretas de governo – estadual e municipal – participantes do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa da Fundação Getúlio Vargas/Fundação Ford, selecionadas a partir de um total de 297 projetos inscritos. Por participarem de um programa com muita visibilidade e credibilidade e por serem provenientes de várias regiões do País e de diferenciados setores de atuação, acreditamos constituírem um referencial representativo do que ocorre em termos de inovação no Brasil.

2. Inovação na Gestão Pública: Um Referencial Teórico

2.1- Inovação na Concepção Schumpeteriana

Se a característica da inovação na gestão municipal tem sido apontada e explicitada como significativa, como um novo processo, o mesmo não se pode dizer de suas bases teóricas. Aponta-se a existência da inovação, fala-se dela, sobre ela, mas não se teoriza sobre ela. Descrevem-se as experiências inovadoras mas não se desenvolvem as bases teóricas desta categoria. Este trabalho faz um esforço, ainda que preliminar, de situar as bases teóricas do que se entende por inovação.

Nosso referencial teórico básico deve ser olhado com bastante cuidado e reservas. Vamos nos basear em Schumpeter estando conscientes de que este autor teve por referencia a análise do processo de inovação nos sistemas produtivos no capitalismo. Vamos nos valer de Schumpeter tendo no seu trabalho apenas um referencial de um autor que pensou e propôs a inovação. Sabemos das diferenças enormes que existem entre os sistemas econômicos e os sistemas políticos, embora também existam aproximações e interações entre estes. Então vamos procurar em Schumpeter idéias mais abstratas que possam ser trabalhadas na análise da inovação no plano da gestão pública.

Iniciaremos justamente fazendo uma brevíssima síntese destas idéias, síntese esta restrita fundamentalmente à questão da inovação. Schumpeter vê o capitalismo como um "processo evolutivo". A palavra ‘novo’ tem um significado estratégico no pensamento schumpeteriano. Assim é que para ele o impulso do capitalismo "decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria" (Schumpeter, 1984:112). O avanço tecnológico ocorrido ao longo da história da humanidade principalmente nos últimos dois séculos, pós-Revolução Industrial, leva ao que Schumpeter chama de ‘destruição criativa’, que para ele caracteriza e define o capitalismo. A concorrência centra-se na inovação e esta provoca um processo de destruição criativa onde velhas estruturas são substituídas por novas conduzindo a economia a níveis mais elevados de renda e presumivelmente de bem-estar social. É dentro do arcabouço do processo de destruição criativa que "têm de viver todas as empresas capitalistas" (Schumpeter:1984:113). E nós postulamos que também os governos têm de viver dentro deste arcabouço. Ele agrega que "todos os elementos da estratégia de negócios" devem ser vistos "sob o vento perene da destruição criativa", não podendo ser compreendidos "sob a hipótese de que existe eterna calmaria" (Schumpeter, 1984:113). Substituindo ‘estratégia de negócios’ por ‘estratégia de governo’, este não poderia também ser visto sob a hipótese da calmaria. Muito pelo contrário o período atual é justamente caracterizado por turbulências o que justifica mais ainda a existência da destruição criativa.

Schumpeter se torna um crítico ácido da idéia de concorrência enquanto concorrência de preços, desalojando a variável preço de sua posição dominante. Para ele, na realidade capitalista não é esse tipo de concorrência que decide, "mas a concorrência através de novas mercadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta, novos tipos de organização..." (Schumpeter, 1984:114). No nosso paralelo, a concorrência entre governos se daria através de novas fontes de oferta de serviços públicos, de projetos governamentais, de concepções de governo, de formas de intervenção, etc. Mais abaixo, qualificaremos o que entendemos por concorrência entre governos, alertando antecipadamente que ela se diferencia fundamentalmente da concorrência no sistema econômico.

Schumpeter (1984:115) tem ainda uma visão diferente da concorrência em um outro aspecto: "o empresário sente-se em situação competitiva mesmo quando está só em seu campo ou quando, embora não estando sozinho, detém uma posição tal que os peritos do governo não conseguem ver qualquer concorrência efetiva entre ele e quaisquer outras firmas no mesmo campo ou em campos vizinhos (...)". Ele fala de uma "ameaça onipresente" da concorrência mesmo quando esta não existe conforme descrito. Transpondo para o nosso campo, poderíamos dizer que governos mesmo não submetidos a situações competitivas sentir-se-iam compelidos a competição devido a esta ameaça onipresente, entendendo governos não submetidos a situações competitivas aqueles que estão à cavaleiro em suas posições, experimentando altas doses de legitimidade, de reconhecimento da opinião pública, mas que também estariam sob um risco potencial.

Schumpeter (1984:121) argumenta ainda que "existem situações, no processo de destruição criativa, em que muitas firmas sossobram (sic)". Deixando de lado as crises gerais e depressões, "surgem situações específicas em que a rápida mudança do quadro" desorganiza brutalmente uma indústria e Schumpeter admite com segurança que "não tem sentido tentar manter indefinidamente indústrias obsoletas", devendo-se buscar evitar os seus desmoronamentos. O que podemos tirar de luz dessas passagens para nossos argumentos é o seguinte: 1) governos não sucumbem exatamente da mesma forma que setores econômicos, o que, ademais, tem sido uma crítica do pensamento neoliberal (ver Dunleavy & O’Leary, 1987). Governos são socorridos por níveis maiores de governo e/ou pelo Tesouro, ou ainda problemas e soluções são empurrados para gerações futuras mascarando a situação existente; 2) fica muito difícil medir o impacto que uma destruição criativa provocada por um governo causa em outros governos, ou seja, medir, identificar que determinados governos soçobram por conta da destruição criativa à qual eles não foram capazes de resistir ou de interagir.

Schumpeter envereda ainda pela discussão da oportunidade de levar adiante a inovação. Assim, as melhorias são adotadas se o custo do novo método de produção por unidade de produto for menor que o custo básico por unidade de produto do método vigente assim como resultar numa renda futura maior. O autor discute ainda a questão da depreciação dos ativos existentes e como isto influencia a decisão de adotar um novo método de produção. Trazendo essas colocações para nosso campo poderíamos afirmar que os governos também estudam essas questões, estas se tornam relevantes principalmente em épocas de crise, de contenção de recursos.

Finalmente Schumpeter (1984:131) chega à discussão que nos interessa sobremaneira, a questão do monopólio. Para ele, "monopolista significa vendedor único". Assim, poderiam estar nessa situação qualquer pessoa ou empresa que venda um determinado produto em um determinado tempo com exclusividade. Nessas condições a situação de monopólio pode ser extremamente breve. Qualificando melhor a condição de monopolista, para ele são os "vendedores únicos cujos mercados não estão abertos à entrada de produtores potenciais da mesma mercadoria e de produtores efetivos de mercadorias similares (...)". Ele discorda da possibilidade de monopólios por longo prazo e en passant, se refere ao campo dos serviços públicos como um campo de monopólio explícito. Aqui surgem as diferenças fundamentais entre o campo de atuação de Schumpeter – sistema econômico privado – e o direcionamento que pretendemos dar e que, portanto, merece ser melhor qualificado para podermos avançar.

Uma primeira colocação refere-se à condição de monopólio do governo. O próprio Schumpeter refere-se ao monopólio dos serviços públicos, situação aliás que se presente no tempo de Schumpeter (primeiras décadas do atual século) hoje passa a ser desmontada. Weber refere-se ao Estado como o monopólio do uso legítimo da força. Assim, o Estado e o governo possuem, têm em suas mãos determinados monopólios. Mas o governo é um monopólio? Se existe monopólio não existe concorrência, não existe competição? As respostas, são sim para a primeira questão e não para a segunda, por mais paradoxal que possa parecer. Um governo sub-nacional não compete com outros na forma que conhecemos a competição entre empresas produtoras do setor privado. A competição neste caso é diferente e comporta duas formas:

a) existe uma competição entre governos no sentido de ser feita uma comparação entre partidos diferentes, partidos que estão à frente de governo (por exemplo: competição entre administrações de municípios diferentes). Essa comparação tanto é feita pelos eleitores, como pela mídia assim como pelos próprios partidos. Essa comparação, essa competição pode criar uma imagem positiva ou negativa de uma administração;

b) existe uma competição por eleitores, que afinal de contas são os que definem quem vai ocupar o governo. O mercado formado por eleitores é praticamente "inelástico" no sentido da quantidade de eleitores, sofre entrada (novos eleitores que atingem a idade de votar) e saída de eleitores (fundamentalmente pela morte). Uma situação que rompe com esse equilíbrio é aquela em que existem migrações de pessoas (e consequentemente de eleitores) em volume considerável em direção a um determinado município. Mas, via de regra, o número de consumidores do processo eleitoral é estabilizado, ainda mais em condições de crescimento populacional estável. O mercado é "inelástico" também no sentido de que um governo, os partidos no processo eleitoral, não brigam, não disputam eleitores de outros municípios (de outros estados, no caso de eleições estaduais). Assim, o mercado, os consumidores (os eleitores) são previamente conhecidos. E são eles que dizem se o produto é bom ou não, se o partido no governo deve continuar ou ser substituído por um que está na oposição. Uma outra diferença deve ser apontada: enquanto os bens convencionais estão no mercado todo dia (por exemplo a venda de aparelhos de TV), o mercado de votos só acontece a cada quatro anos, embora ele esteja latente o tempo todo.

Em síntese, existe competição, concorrência só que numa forma absolutamente diferente daquela existente para a maioria dos bens e serviços. E quanto ao monopólio? Um governo é um monopólio no sentido de que não existem dois governos. Os consumidores (a população de um determinado município, estado ou nação) não podem, via de regra, optar por um governo ou outro, não pode consumir os produtos de um governo e preterir os de outro. O governo é um monopólio mas também um monopólio com características específicas: é um monopólio com duração marcada, com tempo determinado para existência. Evidentemente estamos afastando as hipóteses de ocorrência de impeachments, golpes, revoluções. Em condições normais o governo é um monopólio com duração marcada, previamente anunciada e conhecida. Ora isto não acontece no mercado privado de bens e serviços. Um determinado partido no poder pode renovar o monopólio no caso de uma vitória na eleição marcada e mesmo o dirigente pode renovar este monopólio no caso de reeleição, mas novamente fica condicionado ao tempo politicamente fixado pela sociedade.

Esta situação coincide com a descrita como poliarquia (Ver Dahl, 1997). Em que pesem alguns pesares (Pinho, 1998), caminhamos no Brasil para uma poliarquia (O’Donnell, 1996), entendida como um mercado eleitoral competitivo. Nessas condições onde entra a inovação? A inovação entra justamente como uma estratégia de diferenciação de governação, que deve se diferenciar de governance e governabilidade, identificando-se com o ato de governar, de exercer o poder, de fazer o governo. Em um mercado eleitoral competitivo a governação fica sujeita à destruição criativa, a recorrência à inovação no sentido de criar vantagens competitivas para o partido no poder assegurar a manutenção do poder e a renovação do seu monopólio. A inovação – a bem sucedida evidentemente – cria a imagem de um governo ativo, sintonizado com as necessidades da população (leia-se eleitorado), moderno, transforma-se em quase um paradigma. Do outro lado, um governo que não adota a inovação passaria a ser visto com reservas, conservador, não forma uma imagem positiva. Apenas para exemplificar podemos tomar o caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre, experiência bem-sucedida que se tornou referência, que tem sido emulada e que, certamente, responde parcialmente pela manutenção do poder por parte do partido no governo.

Como crítico da concepção da concorrência perfeita, Schumpeter defende que "a introdução de novos métodos de produção e novas mercadorias dificilmente é concebível sob concorrência perfeita", o que significa que "o grosso do que chamamos de progresso econômico é incompatível com ela". O autor ainda enfatiza que "na verdade, a concorrência perfeita é e sempre foi temporariamente suspensa sempre que alguma coisa nova está sendo introduzida - automaticamente ou por medidas imaginadas com tal propósito –, mesmo em condições que de outra forma seriam perfeitamente competitivas" (1984:139). Longe de nós qualquer idéia de pensar em concorrência perfeita entre governos. Se o fenômeno já é altamente questionado no explícito sistema econômico, fica completamente impossível caracterizá-lo no sistema governativo. O importante a reter dessas afirmações de Schumpeter refere-se à quebra do equilíbrio. Para ele, o capitalismo deve ser visto como o movimento de inovação que quebra a idéia da concorrência perfeita. Assim também veríamos o sistema político. A introdução de inovações por parte de uma administração pública provoca desequilíbrios no sistema político, forçando outras administrações a adotarem a mesma inovação ou a procurarem outras no sentido de criar uma diferenciação. No regime da concorrência perfeita não haveriam estímulos à inovação, poderíamos dizer que seria o campo da mediocridade, e que, assim, não pode ser vista como "modelo de eficiência" (1984:141).

Na concepção schumpeteriana existem três estágios no processo de mudança: invenção, inovação e difusão. Invenção refere-se "à geração de novas idéias e seu subsequente desenvolvimento a um ponto onde as dificuldades conceituais e práticas de sua implantação já foram superadas". A inovação "ocorre quando o empresário acredita que é lucrativo comercializar a invenção" (Hasenclever, 1991:13). O terceiro estágio refere-se `a difusão que será tratada mais adiante. Acreditamos que com esse corpo teórico desenvolvido por Schumpeter temos um arsenal teórico para olharmos a questão da inovação na gestão pública no Brasil.

2.2- A Inovação na Gestão Pública no Brasil

Entendemos que o processo de inovação desencadeado fundamentalmente pela esfera municipal no Brasil tem três fontes geradoras básicas: 1- A crise que se abate sobre a sociedade brasileira provocando transformações no Estado. 2- Iniciativas de algumas prefeituras ligadas a partidos de esquerda, iniciativas estas motivadas não só por razões ideológicas mas também como respostas à crise acima apontada. Como conseqüência dessas ações, iniciativas de inovação acabam vindo também do centro-esquerda e da direita na gestão pública. 3- Mimetismo na gestão municipal, ou seja, governos não só de esquerda mas mesmo de perfil mais conservador acabam copiando, adotando propostas de governos mais à esquerda, adaptando-as ao seu perfil ideológico.

Passaremos, agora, a tratar cada uma dessas fontes.

1. Conforme assinalamos ao início, a crise do Estado desenvolvimentista associada a aprovação da Constituição de 1988 faz com que "importantes tarefas, antes assumidas pelo poder central, têm de ser incorporadas ao âmbito governamental sub-nacional" (Abrucio & Couto, 1996:40). Estas tarefas acabam configurando um novo "tipo de política de cunho redistributivo e/ou anticíclico para garantir, minimamente, a renda e o emprego dos habitantes destas regiões" (Abrucio & Couto, 1996:41).

Os dois autores citados são enfáticos ao afirmarem que os municípios assumem responsabilidades que eram da União, principalmente no tocante as áreas de educação e saúde, demonstrando que os municípios "têm assumido o papel de welfare" e que, assim, "os municípios, portanto, precisam redesenhar sua atividade estatal" (Abrucio & Couto, 1996:41). Por essas colocações podemos inferir que, se o Estado central retira-se não só da economia mas da atuação social, aproximando-se mais ou menos (a depender do observador) de um ideário neoliberal, cabe aos municípios a provisão social. Em outras palavras, se sobrevive algum Keynesianismo este se dá ao nível municipal.

Esse novo quadro (novas responsabilidades, novas atribuições, novos papéis) e em um contexto de crise tem levado os governos municipais a enfrentarem problemas para os quais não só não estavam preparados como não tinham tradição de atuação. Esta situação tem se configurado, assim, como um desafio mas também como uma oportunidade de criação de novos caminhos para o enfrentamento de problemas sociais onde a inovação surge como uma estratégia concreta.

2. Dentro deste quadro de crise, de aguçamento de problemas das mais variadas ordens, ocorre a redemocratização no Brasil cuja face mais visível são as eleições diretas e livres. Abre-se, assim, a oportunidade, após décadas de autoritarismo, para partidos de esquerda e/ou centro-esquerda chegarem ao poder, ainda que basicamente de governos municipais. E a partir daí configuram-se experiências inovadoras, algumas bem sucedidas, que podem ser interpretadas da seguinte maneira. Em primeiro lugar, as inovações propostas objetivam marcar diferenças ideológicas bem pronunciadas. Os partidos de esquerda no governo objetivam mostrar que houve uma mudança radical, uma inovação, e que esta tem um conteúdo ideológico bem diferenciado dos partidos conservadores. Muitas das inovações explicitam diferenciações em termos de princípios, como é o caso da "inversão de prioridades". Em segundo lugar, essas experiências inovadoras bem sucedidas representariam um passaporte para propósitos mais largos: a obtenção de governos estaduais, e mesmo a Presidência da República. Assim, a inovação assume um caráter fundamental no sentido de criar uma diferenciação com o campo adversário e servir como uma vantagem competitiva tanto para a manutenção do poder (na esfera municipal) como um credenciamento para objetivos maiores.

Não cabe aqui examinar essas inovações encetadas por governos ligados mais à esquerda dado que são bastante conhecidas e têm sido bem cobertas pela literatura. Novamente podemos citar, para ficar num exemplo concreto só, a experiência emblemática do Orçamento Participativo (Ver Moura, 1997), bem como outras deflagradas nas administrações de Santo André, Santos, Porto Alegre, Vitória, entre várias. Cabe observar que a busca de inovações não se deu apenas no campo da esquerda, mas também marcou administrações da centro-esquerda como é o caso de Fortaleza e, no plano estadual, o Ceará. E mesmo administrações da direita também têm enveredado pela busca de inovações no sentido de apresentar uma gestão moderna, como é o caso do governo da Bahia (Ver Pinho, Santana, Cerqueira, 1997). Estaríamos assim frente a um sistema extremamente competitivo no sentido schumpteriano longe de qualquer possibilidade de concorrência perfeita.

3. O mimetismo na gestão pública pode ser referenciado à categoria da difusão considerada por Schumpeter. A adoção da inovação acaba por criar um diferencial para o capitalista gerando um lucro acima do normal, do padrão que caracteriza um determinado setor. Isto faz com que ele desfrute de uma posição superior em relação aos concorrentes pelo menos enquanto estes não adotam a mesma inovação ou qualquer outra que provoque esse lucro extra. Antes de Schumpeter, aliás, o próprio Marx já havia detectado este processo. Em suas palavras: "the capitalist who applies the improved method of production, appropriates to surplus-labour a greater portion of the working-day, than the other capitalists in the same trade". E pondera que "this extra surplus-value vanishes, so soon as the new method of production has become general...". Mais que isso ele vê uma "coercive law of competition" a qual "forces his competitors to adopt the new method" (Marx, 1977:302). A implantação de uma inovação bem sucedida causa então "a emulação de competidores ansiosos em ampliarem os seus próprios lucros, eliminando as vantagens de custos ou de receitas advindas do produto do inovador"(Hasenclever, 1991:15). Diríamos que o objetivo que move a adoção da inovação não é só ampliar os lucros mas eliminar a vantagem competitiva do concorrente sob pena de não adotada a inovação o não-inovador perder espaço e ser expelido do mercado.

Acreditamos que esse desenvolvimento pode ser aplicado a gestão pública. A competição (na forma descrita) que ocorre entre as administrações públicas leva à eliminação de diferenciais competitivos bem como a criação de seus próprios diferenciais. A especificidade da gestão pública faz com que, evidentemente, essa transladação não ocorra diretamente. Se no caso do sistema econômico estamos tratando fundamentalmente de mudanças tecnológicas (relembrando que também haveria novos produtos, novos processos e novas formas organizacionais), no caso da gestão pública trata-se de sistemas sociais. Assim, não é porque uma inovação seja bem sucedida numa determinada área (um município, por exemplo) que ela o será em qualquer outra área. Pode até haver o caso dela simplesmente não se aplicar, não ser pertinente, cabível em outra realidade, não haver interesse em ser adotada mesmo que seja uma inovação e que seja bem-sucedida. Uma questão mais de fundo ainda refere-se à questão ideológica. Determinadas inovações não são simplesmente técnicas mas fundamentalmente carregam um conteúdo político-ideológico e, portanto, não são transportadas pelos concorrentes. Inovações que se chocam contra princípios ideológicos, que firam esses princípios não podem ser adotadas pelos concorrentes, a não ser que o produto seja mascarado de uma forma tal que sua aparência seja a mesma do inovador original mas que a sua essência seja completamente desvirtuada.

Dois aspectos pelo menos devem ainda ser destacados do processo de difusão no pensamento schumpteriano. Em primeiro lugar, a adoção da inovação em um outro espaço não significa simplesmente cópia. A difusão envolve uma agregação de valor. Ao se adotar uma inovação em uma outra realidade ela implica não só em uma adaptação às condições diferenciadas dessa nova realidade como também representa um momento, uma oportunidade de promover uma inovação incremental na inovação base. Assim, a difusão carrega consigo já um aprofundamento da inovação. Um segundo ponto refere-se `a percepção da inovação por parte dos empresários. "A percepção das oportunidades de investimento é diferenciada entre os empresários. Assim, diferentes avaliações conduzem a tempos distintos para que os demais empresários reconheçam os atributos superiores do novo produto ou novo método de produção" (Hasenclever, 1991:15). Mais ainda, os tipos de inovação são percebidos de forma diferenciada pelos competidores. "Uma inovação de produto, por exemplo, é mais aparente para os demais competidores do que uma inovação de processo que não modifica o produto" (Hasenclever, 1991:16). O mesmo vale para os dirigentes públicos. Estes também deparam-se com a necessidade de reconhecer os atributos da inovação e avaliar se ela se adapta à sua realidade (lembrando que inovações também representam custos). Por outro lado, em um mercado competitivo um tempo muito longo para decisão pode ser fatal representando inércia, conservadorismo, incapacidade de decisão. Quanto ao outro aspecto seria, então, mais fácil absorver uma inovação de produto do que de processos. No nosso paralelo, o produto seria uma nova política pública enquanto o processo estaria constituído mais de mudanças de valores e/ou na organização interna do aparelho de governo que, disposto de outra maneira, poderia gerar novos produtos. Em outras palavras, o produto é mais visível e o processo mais camuflado e portanto de mais difícil percepção.

Ainda um outro aspecto merece ser considerado. Já foi enfatizada a existência de diferenças fundamentais entre a competição dentro do sistema econômico e dentro do sistema político. Se as inovações são absorvidas pelos competidores no sistema econômico aparentemente sem maiores problemas, no sistema político outras variáveis estão em jogo que introduzem algumas dificuldades na decisão de absorver a inovação. A inovação absorvida por um governo de um partido adversário pode representar um atestado público da competência e da qualidade do partido/gestor proponente da inovação, fato a ser explorado por este. Assim, se o absorvedor da inovação tinha por objetivo, como reza a teoria, eliminar, negar os lucros adicionais obtidos pelo inovador, romper com sua posição de vantagem, essa decisão pode resultar em perdas políticas para o imitador. É provável (e passível de investigação acadêmica) que em situações de disputa renhida, uma inovação não seja copiada pelo concorrente justamente para não passar esse atestado de competência do grupo político adversário. Assim, seria de se esperar que o grupo em desvantagem procurasse outra área para inovar, e que, também , a nova inovação não seria copiada pelos adversários.

Em síntese, o objetivo nosso foi mostrar como a inovação torna-se estratégica em um mercado competitivo, seja ele referente ao sistema econômico ou político. Nesse sentido, a teoria schumpeteriana parece prover insights interessantes e importantes para avançar teoricamente na questão da inovação no sistema político.

3- Categorias de Inovação: Uma Proposição

Considerando que o Programa Gestão Pública e Cidadania visa fundamentalmente incentivar experiências inovadoras na gestão pública (com premiação e divulgação de projetos vencedores), fomos buscar, em cada um dos cem projetos inicialmente selecionados (1997), o que eles próprios definiam como inovação. Notamos que a definição de inovação, em alguns projetos, não era clara. Assim, fizemos uma interpretação do material empírico buscando conteúdos de inovação, inclusive onde estes não eram apontados explicitamente.

A partir daí construimos categorias. para expressar inovação na esfera sub-nacional, alertando que essas categorias não esgotam as possibilidades de inovação. Temos inclusive consciência que outras fazem parte desse conjunto. O que acontece aqui é a definição dessas categorias a partir de um certo material empírico também chamamos atenção para o fato de que, por falta de espaço, não podemos nos referir em cada situação ao projeto objeto da inovação.

I- GESTÃO DEMOCRÁTICA: A gestão democrática pode ser vista sob vários ângulos, comportando diferentes definições e qualificações. Consideramos como gestão democrática uma gestão participativa, comunitária, sem paternalismo, com combate ao clientelismo. Essa gestão democrática admite, ela própria, uma escala de gradação. Assim, é possível ter decisões delegadas ao movimento organizado, que significaria gestão hiper-democrática.

A gestão democrática pode ser vista também como a deselitização de políticas públicas, facilitando o acesso de bens normalmente direcionados à uma elite, uma minoria. Ao se contrapor ao paternalismo e autoritarismo tradicionais, a gestão democrática se expressa pela construção de uma nova cultura de relacionamento entre Estado e sociedade civil.

No tocante à superação do paternalismo, este se consubstancia em empréstimos à pequenos e micro-empresários, empréstimos feitos com critérios de mercado ou ainda na implantação de um programa de qualificação de mão-de-obra e colocação desta no mercado perseguindo o objetivo da autonomização dos trabalhadores.

No que se refere à participação, a gestão democrática abarca um universo bastante amplo de experiências pois entendemos que a participação pode se dar em várias esferas: na concepção, no planejamento, nas decisões, na operacionalização. A gestão democrática na sua plenitude seria aquela que contemplasse todas as fases descritas. No caso do material empírico trabalhado, observamos participação em uma ou outra dessas fases, não em todas. Ou seja, em muitos casos a concepção, principalmente, ainda é única e exclusivamente tarefa de "Estado". Mas temos participação nas decisões bem como participação na execução de projetos. A participação pode ser apontada como um expediente democrático ao criar responsabilidade e envolvimento da comunidade, formando assim, uma associação com o Estado para enfrentamento de problemas.

A gestão democrática também se expressa pela consulta à comunidade que seria uma participação indireta ou implícita. Isto quer dizer, os prováveis futuros beneficiários participam as vezes mesmo sem saber que estão participando. Visto de outro ângulo, o Estado toma a decisão ouvindo a comunidade e não decidindo sozinho.

Entendemos assim a gestão democrática como aquela que busca a participação de uma maneira mais ampla mas também localizada. Este seria o caso de uma participação mais operacional, na operação da política. A gestão democrática também se expressa pelo preenchimento de cargos técnicos do Estado através do procedimento de eleições, aumentando portanto o grau de legitimidade e credibilidade dos ocupantes dos cargos. Em outros termos, diminuindo o caráter de indicações políticas para esses cargos expressando um procedimento democrático.

II- DESCENTRALIZAÇÃO E DESBUROCRATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS: Esta categoria está umbilicalmente ligada à anterior, havendo até uma certa dificuldade em separá-las. A descentralização tem sido tomada como um movimento no sentido de uma maior democratização. A transferência para níveis sub-nacionais de responsabilidades tradicionalmente localizadas na esfera federal conduziria a um aprofundamento da democracia permitindo uma maior manifestação e participação dos agentes locais nos processos políticos. A questão reveste-se de um caráter polêmico (ver Nunes,1996), mas de qualquer forma a descentralização tem sido implantada no Brasil principalmente pós-Constituição de 1988.

Se esta descentralização tem ocorrido, uma outra, agora na esfera mais local, se soma àquela. Trata-se da descentralização de serviços públicos dentro da esfera sub-nacional. Este movimento aparece um número expressivo de vezes no material empírico analisado. A justificativa da descentralização tem dois aspectos em geral associados: um de entendimento do aprofundamento da democracia, outro de simplificação, descomplexificação e desburocratização da gestão pública.

As experiências encaixadas nessa categoria cobrem um vasto espectro: simplificação de documentos, desburocratização e descomplexificação de concessão de crédito, descentralização de atendimento médico (visitas domiciliares), descentralização da provisão de serviços públicos, descentralização da construção de moradias no sentido dos beneficiários assumirem a contratação interferindo no produto, descentralização do atendimento em questões de acidentes sem vítimas através da implantação dos Juizados Especiais que "seguem os rumos da modernidade de levar os serviços ao encontro do público usuário". A tônica dessas ações baseia-se em levar os serviços aos usuários rompendo com as formas centralizadas tradicionais de gestão pública, visando facilitar a vida dos cidadãos.

III-INCORPORAÇÃO DOS EXCLUÍDOS (MAIORIAS) E MINORIAS: Esta categoria resulta da percepção por parte dos governos sub-nacionais da existência de uma situação de exclusão social, resultado do modelo histórico de desenvolvimento nacional e não apenas efeito de crises contemporâneas, e dos esforços relativamente irrelevantes despendidos tradicionalmente pelo governo federal no sentido de enfrentamento da questão. A exclusão social atinge vastos contingentes da população brasileira e em determinadas situações precede mesmo a condição de cidadania situando-se no plano humanitário, como por exemplo, a questão da fome e da desnutrição.

Esta categoria possui ainda um caráter aparentemente paradoxal: as administrações tanto se voltam para o atendimento das maiorias como de minorias. A questão da exclusão social crescente faz com que mesmo administrações sub-nacionais, principalmente municipais, tenham que enfrentar e buscar soluções para o problema que afeta contingentes populacionais enormes. Por outro lado, percebe-se uma sensibilidade para o atendimento à minorias dos mais variados tipos, que normalmente não eram contemplados pelas administrações locais. Identificamos ainda uma outra característica nas ações governamentais direcionadas a esses grupos. Via de regra, tentam quebrar com a visão assistencialista buscando ações auto-sustentáveis através do trabalho e da geração de emprego e renda.

Cabe observar que em determinadas situações grupos que poderiam ser caracterizados como minorias assumem a condição de maioria. Mais especificamente, em situações de extrema pobreza, em municípios pobres, os grupos "marginalizados" não são exceção, mas a regra. Ou seja, as políticas governamentais voltam-se para a maioria, a exclusão social é a regra e atinge a maioria da população. Por outro lado, existem casos onde os excluídos não são exatamente a maioria mas formam contingentes apreciáveis, como a questão das crianças e adolescentes de rua em situação de risco (vários projetos), bem como de melhorias no abastecimento alimentar aos carentes, além de incorporação de bóia-frias, e através da qualificação da mão-de-obra e da melhoria de condições habitacionais, bem como de crianças em situação de desnutrição crônica. Quanto às minorias, os projetos aqui considerados dirigem-se para vários grupos: catadores de lixo, portadores de deficiência física e mental, prisioneiros. Todos esses projetos visam integrar ou reintegrar minorias à sociedade. De forma geral os projetos pregam a ausência ou superação do paternalismo, procurando direcionar suas ações no sentido da sustentabilidade, mas isto não exclui que alguns projetos assumam sem maiores constrangimentos uma postura paternalista.

Ainda nesta categoria classificamos projetos que se direcionam à incorporação da questão de gênero, mais especificamente, do direito das mulheres nas políticas públicas, explicitando uma opção que normalmente não é contemplada. Ainda foi inserido nesta categoria o projeto de fomento da identidade cultural e auto-estima de crianças negras cuja principal inovação seja ele próprio, ou seja, fazer o resgate de valores culturais que ou sucumbiram ou tendem a sucumbir e que, provavelmente na comunidade considerada (Maranhão) seja uma maioria.

Quanto aos projetos direcionados à minorias (em número expressivo), notamos que talvez o aspecto mais inovador seja o fato do governo assumir esse tipo de serviço. Ou seja, através de uma ação prioritária do poder estatal voltada para o atendimento das maiorias, abre-se espaço para contemplar também minorias, o que certamente resulta de uma sociedade civil mais organizada.

IV. VALORES PARA TRÁS: Poderíamos chamar esta categoria também de "Valores Tradicionais". O uso desta expressão no entanto, não denota nenhum juízo de valor, nem contém nenhum julgamento depreciativo. Preferimos manter este título no sentido de dar ênfase à situação de que, apesar de todo processo de modernização, com o aniquilamento de valores mais tradicionais, parece haver uma recuperação destes em ações desenvolvidas a partir das esferas governamentais. Assim, é como se a sociedade "voltasse para trás" no sentido de recuperar, resgatar valores que um dia já estiveram presentes e que foram abandonados, mas que agora retornam. Esse processo parece Ter sido mais forte nos chamados países periféricos onde não se consolidou uma sociedade civil organizada bem como se tornaram presas fáceis de valores alienígenas.

Verificamos em um número apreciável de projetos uma valorização de conceitos básicos de cidadania tais como: disciplina, senso comunitário, colaboração mútua, zelo com o patrimônio público, respeito à cidade e aos bens públicos, preservação do patrimônio cultural e preservação da memória histórica. Um número considerável de projetos classificados nesta rubrica pertence `a área de saúde possuindo um fio condutor bem nítido, qual seja, um caráter de resgate de valores tradicionais opondo-se a uma visão tecnológica dominante. Podemos dizer que estes projetos fazem uma desapologia da tecnologia, substituída por valores humanos mais universais, tais como, a substituição do calor mecânico da incubadora pelo calor materno, identificação da família como unidade de abordagem no atendimento à saúde, promovendo através do acompanhamento domiciliar de pacientes a humanização destes, bem como a inversão de políticas tradicionais de saúde em direção a políticas preventivas.

V- VALORES PARA FRENTE: Entendemos por "valores para a frente" valores que não existiam até recentemente e que começam a serem cultivados no presente como resultado de uma nova configuração econômica, social e política. São valores da contemporaneidade e que estão presentes não só na gestão sub-nacional mas também na gestão central. Mais ainda, são valores que não são exclusividade do sistema político (do Estado), mas também, e principalmente, da sociedade. Mais especificamente, muitos deles são valores que brotam justamente da sociedade e são encaminhados, e absorvidos, pelo Estado. Muitos deles também ainda não estão completamente assentados, mas a própria ação estatal faz com que ganhem força e expressão para se consolidarem; são novos valores que estão sendo despertados.

Assim, foi possível identificar valores para a frente relativos principalmente à área ecológica: despertar uma consciência ecológica, ambiental, preservação de recursos naturais, saneamento ambiental, controle biológico de pragas, redução de consumo de água (controle de perdas) e energia, reciclagem de papel e entulho, recuperação de áreas degradadas, coleta seletiva de lixo no sentido de evitar o desperdício, troca de lixo reciclável por mudas de árvores, redução da quantidade de resíduos orgânicos sólidos direcionando-os para produção de ração animal e recuperação de matas evitando erosão do solo.

Essas ações até muito recentemente não faziam parte da agenda governamental, mas por pressões da sociedade (grupos ambientalistas, consciência ecológica, preservacionista, etc.), passam a compor essa agenda nos últimos anos. E podemos identificar um número considerável de ações desse tipo. Cabe ainda destacar que muitas dessas ações baseiam-se no envolvimento da comunidade objetivando não só sua sustentação mas também disseminação.

Entendemos também como novos valores, "valores para a frente", ações voltadas para apoio à mulher na terceira idade, visando a quebra de preconceitos e discriminações, a prevenção ao uso de drogas no sentido de preservar a vida, medidas educativas preventivas ao desenvolvimento da cárie em crianças, despertar o hábito da leitura em populações de baixa renda, através do oferecimento gratuito de minibibliotecas particulares para uso da coletividade. Ou seja, novamente são valores que normalmente não fazem parte das agendas governamentais de países periféricos e que por uma série de movimentos da sociedade civil passam a ser introduzidas nas políticas públicas. A importância destes movimentos também pode ser atribuída ao fato de brotarem das esferas sub-nacionais.

Na mesma linha também situam-se programas de conscientização das crianças sobre direitos e deveres do consumidor e sobre o código de defesa do consumidor, conscientização dos problemas de trânsito no sentido de despertar as responsabilidades da cidadania assim como programas de saúde voltados à saúde e não à doença, configurando uma nova concepção de políticas de saúde.

De dentro da própria administração pública também identificam-se mudanças para a frente. Mesmo programas voltados para segmentos de baixa renda passam a ser concebidos e desenvolvidos dentro de padrões de sofisticação que normalmente não só não estavam presentes como eram abominados, algo numa linha de se era um programa para pobres também tinha que ser pobre. Identifica-se também a recorrência ao marketing como estratégia de divulgação das gestões públicas, tendência que certamente deverá se incrementar nos próximos anos. A utilização da informatização para prestação de serviços públicos também foi detectada, tendência que também deve se acentuar no presente e no futuro.

4- Revelações Adicionais do Material Empírico

Antes de mais nada devemos esclarecer que a cidadania não aparece como uma das categorias construídas. Entendemos que por ser o programa chamado "Gestão Pública e Cidadania", esta perpassa todos os projetos, embora nem sempre tenha sido explicitada nesse sentido. Todos as categorias propostas trazem conteúdos associados à cidadania, ou seja, contribuem para a sua instalação, aprofundamento ou resgate.

A análise e avaliação do material empírico considerado ainda nos permite um conjunto de observações que entendemos contributivas à análise da inovação na gestão sub-nacional no Brasil. Em primeiro lugar, a literatura da gestão pública tem destacado muito a questão do empreendedorismo entendido como uma postura governamental mais ativa no sentido de um desenvolvimento mais sustentável e da busca de alternativas de desenvolvimento pelos próprios municípios (ou consórcios municipais), ou seja, iniciativas fora da esfera do governo federal e até mesmo estadual. Em outras palavras, os municípios – determinados municípios – rompem a inércia e buscam eles próprios ações que extrapolam o que normalmente se espera da esfera local. Com isto se amplia a ação dessa esfera no sentido de avançar pela área do desenvolvimento econômico.

No material empírico analisado aparece muito pouco, quase residualmente, essa categoria teórica. Daí a razão de não a considerarmos no conjunto das categorias criadas. Observamos o aparecimento de iniciativas mais na área rural e com alcances limitados, e nem mesmo se explicitando enquanto tal, ou seja, empreendedorismo. Uma razão para isto pode, talvez, ser identificada, no fato de que neste ano (1997), era ano de início de administração municipal e dada a exigência de pelo menos de um ano de existência do projeto não houve tempo hábil para entrada desses projetos. Mesmo assim, projetos que teriam sido mantidos pelas novas administrações e que se encaixariam nessa categoria não apareceram. Esta situação certamente merece maior análise (por exemplo agregando os projetos de 1996 e de 1998) ou, por outro lado, estaria sendo o empreendedorismo super valorizado?

Outra característica que tem sido apontada pela literatura que tem preocupado os analistas em busca de uma gestão pública mais democrática e moderna é a que se refere à questão da accountability. Também, assim como no caso do empreendedorismo, não detectamos a presença de projetos que ressaltem essa busca, com uma única exceção de um projeto que objetiva "descentralizar informações para oferecer maior transparência à gestão e aumentar a capacidade decisória de setores da Secretaria da Fazenda" bem como proporcionar "a queda de guetos de poder, disponibilizando informações para o público interno e externo".

Isso é o que não encontramos. E o que encontramos além das categorias propostas, pode ser assim explicitado. Percebemos uma opção (que talvez seja mais falta de alternativa do que opção) pela implantação de políticas de baixo custo e elevado alcance social. Os projetos ressaltam que é possível obter resultados muito positivos e abrangentes com dispêndios relativamente modestos de recursos, que existem soluções simples para problemas complexos. E essas soluções parecem ser mais viáveis e exeqüíveis justamente porque são tomadas a nível municipal.

Outra percepção nossa quanto ao material analisado prende-se à questão da crise. Apesar da condição de crise que perpassa as últimas décadas, os projetos praticamente não mencionam a existência da crise. Ou a ficha de inscrição (onde nos baseamos para análise dos projetos) não é entendida como locus de explicitação dessa situação ou as administrações já se encontram no momento seguinte ao da crise. Isto quer dizer, há plena consciência desta e o que se faz agora é buscar saídas, soluções.

5- Conclusões: Teoria x Prática

Fim de artigo, hora de voltar à teoria, hora de confrontar o empírico com o teórico. São evidentes as dificuldades quando se toma emprestado um quadro teórico de uma área de conhecimento para aplicar em outra. Como dissemos, este artigo visa contribuir para o avanço do conhecimento em uma área ainda pouco estruturada teoricamente. Esta é uma primeira aproximação deste objeto com o referencial schumpeteriano. O vigor do Programa Gestão Pública e Cidadania atesta que a inovação tem sido uma constante na gestão pública no Brasil nas condições contemporâneas. Em termos de confronto com a teoria, já é possível detectar a partir desse material empírico, que a "competição" se move muito a partir da inovação. A inovação em si já é uma admissão de que determinadas velhas estruturas já não dão mais respostas aos problemas. No caso da gestão pública, ou seja, caso de um sistema social, a inovação torna-se praticamente significado de mudança de postura, de posicionamento ideológico, do que mais precisamente inovação tecnológica. Esta quando ocorre, o faz dentro de um quadro de inovação de conteúdos mais estruturantes.

Da análise de todas as experiências consideradas emerge a percepção que essas são absolutamente necessárias, oportunas, inadiáveis mas não se configuram projetos grandiosos ou megalomaníacos. Constitui-se uma série de ações pontuais mas que introduzem posições e valores de ruptura com a situação histórica do Brasil. Assim, além dos "valores para frente" e "valores para trás", a democracia passa a ser considerada em um número considerável de projetos como um valor a ser perseguido, como um valor universal. E isto, nas condições de autoritarismo perene presentes no Brasil é uma inovação. A luta contra a pobreza, com a incorporação de excluídos, representa o engajamento do nível local no combate a esta situação. A incorporação das minorias representa também uma ampliação do conceito de democracia, normalmente entendido como governo da maioria. Assim, inovação no setor público no Brasil não pode ser vista fora do contexto de miséria, pobreza, marginalidade, exclusão, clientelismo, paternalismo, etc. O que efetivamente rompe com esses valores e condições deve ser visto como inovação.

Ainda a nível empírico pode-se constatar o aparecimento de uma série de inovações numa mesma área de atuação (saúde, meio-ambiente, educação, etc.), o que expressa as proposições teóricas da competição e/ou da difusão. Como limitação deste trabalho e proposta de pesquisa futura ressalta-se a necessidade de identificar as filiações partidárias dos projetos considerados e promover, talvez, a análise de uma inovação em específico para ver a sua evolução a partir da idéia original.

Autores: José Antonio Gomes de Pinho e Mercejane Wanderley Santana