quinta-feira, 17 de junho de 2010

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO CIÊNCIA SOCIAL APLICADA / ENTREVISTA COM O PROFº. HÉLIO TEIXEIRA - Revista Gestão Pública e Desenvolvimento

A gestão pública deve ter mais espaço na pauta dos candidatos

A administração pública é uma ciência social aplicada, muito mais voltada para a solução dos problemas e aplicações de como fazer do que as ciências puras. Por isso, a administração se utiliza e necessita do apoio de outras ciências como o direito administrativo, sociologia, política, economia e a história. A avaliação é do professor Hélio Janny Teixeira,diretor da Área Administrativa da Fundação Instituto de Administração/FIA e um dos convidados do XIV Congresso Internacional sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública.

O professor Helio Teixeira, em entrevista à Gestão Pública e Desenvolvimento, fala sobre a administração pública, o prêmio Nobel de Economia e a pauta dos candidatos em 2010.

GP&D - Como o senhor explica a administração pública como ciência social?

Hélio Teixeira - Não há compreensão dos problemas administrativos da área pública sem a história, a economia, a política, o direito administrativo ou a sociologia. A administração pública está preocupada em solucionar problemas e, para isso, necessita de ferramentas e do apoio dessas ciências. Alguém pode falar: “Não, isso é muito tecnicista.”, mas eu digo que a administração é voltada a soluções, é ciência social aplicada. Os casos são focados em como fazer, ou qual o melhor caminho, ou como alocar os recursos, ou qual o sentido do trabalho desempenhado.

GP&D - Cite exemplos de ferramentas que melhoram a gestão pública?

Hélio Teixeira - A Fundação Instituto de Administração (FIA) elaborou projetos de revisão de compras e contratações públicas. No Ministério das Relações Exteriores, por exemplo, desenvolvemos um sistema de contratações públicas que está possibilitando uma redução de preços significativa. Nós alteramos o sistema de contratação para o transporte de bagagem e para as mudanças internacionais. No novo sistema dividimos o mundo em sete partes e licitamos as viagens para estes blocos. Fizemos um pregão presencial acoplado a uma ata de preços que passou a permitir a contratação instantânea de uma viagem. Se algum servidor precisa ir para os Estados Unidos já está licitado. Com isso reduzimos o número de certames, de licitações e conseguimos reduzir o preço em 40%, uma economia de milhões.

GP&D - O senhor pode nos explicar o sistema Cadterc?

Hélio Teixeira - A FIA elaborou padrões para a contratação de serviços terceirizados para o estado de São Paulo, criando o Cadastro de Serviços Terceirizados (www.cadterc. sp.gov.br) que disponibiliza estudos técnicos, valores referenciais, diretrizes e procedimentos para contratação e gestão dos principais serviços
terceirizados. Quem sair dos padrões tem que justificar e às vezes se entender com a corregedoria do estado. A gente fez isso para a limpeza, a vigilância eletrônica, a alimentação, o aluguel de veículos e a cópia de documentos. É um importante trabalho da FIA. Um trabalho muito concreto e palpável. Desde a implantação, em janeiro de 1995, o principal resultado do Cadastro foi a redução de 29% nos gastos mensais, o que significou uma economia de R$ 17 bilhões para o estado.

GP&D - E a Reforma do Estado. O que é preciso melhorar na máquina pública para ela ser mais eficiente?

Hélio Teixeira - Em vez de pensar em reformar a máquina, se ela precisa de mais servidores, departamentos, ou de mais estrutura de rede, preciso entender melhor em cada área quais são os problemas, demandas e atores. Fazer um processo de fora para dentro em que vou repensar os papéis da própria máquina. Eu tenho que pensar um problema, e daí analisar quais são as forças, os atores disponíveis para que possa realmente enfrentar esse problema. Os desafios são cada vez mais complexos e mais densos, seja
a criminalidade, o crime organizado, o trânsito, a poluição, a questão da sustentabilidade e o que não tem uma correspondência no aparato estatal.

Por isso, preciso repensar uma secretaria considerando a problemática em que ela está inserida, as demandas sociais e o conjunto de atores. Então, em função disso, entendo o sistema atual, quem atua em cada segmento, quais são os seus papéis, para daí reposicioná-lo. É um pouco a volta das concepções sistêmicas, mas não o estado determinando, o estado articulando, o estado catalisando, mas o estado atuando conjuntamente com a sociedade.

“é preciso entender melhor em cada área quais são os problemas, quais são as demandas, quais são os atores”

GP&D - Este ano o prêmio Nobel de Economia apresentou um estudo sobre a governança econômica e a sociedade. Como o senhor analisa este estudo e qual a sua relação com a gestão pública?

Hélio Teixeira - Exatamente. Este ano um dos contemplados com o premio Nobel de Economia foi o professor Oliver Williamson, da Universidade Berkeley, na Califórnia. Ele estudou a governança econômica nas empresas e seus impactos sobre a sociedade. Ele é um estudioso e uma pessoa muito importante na questão da nova economia institucional, que estuda as organizações como um conjunto de contratos, tanto internos quanto externos. Um tipo de contrato não é melhor do que o outro. A contratação interna vertical é como se fosse o estatutário ou o funcionário celetista de uma empresa, são os servidores de carreira. Posso resolver problemas contratando
pessoas; contratar uma empresa com concorrência pública; fazer contrato com uma ONG ou Oscip. Então, tenho múltiplas possibilidades de contratação. Mas, qual a melhor? Depende da circunstância.

GP&D - Ainda existe muito preconceito na contratação de terceirizados?

Hélio Teixeira - Não dá para ter preconceito, ficar engessado. Tenho que aumentar o número de funcionários, fazer concurso público, porque a Constituição determina. Mas, nem sempre isso é solução. Você tem um sistema mal feito, funcionários desmotivados. Se eu coloco mais gente, não vou ter produtividade. Não posso achar que a verdade e a solução estão apenas de um lado, ou considerar o funcionário público preguiçoso. Preciso abandonar esses preconceitos, essas ideias prontas estáticas de que o mal está no mercado e o bem é o servidor, é o concursado público.

GP&D - E como superar esses preconceitos?

Hélio Teixeira - A forma de superar preconceitos está em uma avaliação mais ampla de desempenho de resultados. O ideal é fazer mais contratos baseados em resultados, onde eu possa acompanhar, e medir. O gestor está esquecendo um pouco dos resultados. E aí a gente vai ver quem defende o interesse público. Para você que é um cidadão mal atendido não adianta nada o concurso público se ele continuar sendo mal atendido.
“O gestor precisa ter formas de avaliar que tipo de solução atende melhor o cidadão, que respeite o interesse público, e fugir um pouco dos preconceitos que acabam deixando as soluções estáticas”
Da mesma forma, se eu tenho um terceirizado que trabalha mais, também pra ele não é bom que eu aumente a terceirização. O gestor precisa ter formas de avaliar que
tipo de solução atende melhor o cidadão, que respeite o interesse público, e fugir um pouco dos preconceitos que acabam deixando as soluções estáticas.

GP&D - As próximas eleições já estão na pauta. O tema gestão pública vai estar na pauta dos candidatos?

Hélio Teixeira - O que começa a dominar a pauta das eleições são as obras, o PAC, a infraestrutura que é um gargalo, e com a candidata Marina Silva, a questão da ecologia e do desenvolvimento sustentável. Em outra ponta, que é uma agenda dominada por Minas, a pauta do choque de gestão, que não é monopólio de Minas porque
existem muitas iniciativas do governo federal, no estado de São Paulo e outros estados com boa gestão.
Eu gostaria que a gestão, a reforma do estado, a reforma da máquina pública, essas questões de como o dirigente enxerga essa organização societária, ocupasse um espaço maior na pauta dos candidatos. Como cada candidato pensa no papel do estado, no papel do mercado, da sociedade geral, na solução dos problemas nacionais, já
que não há problema sério que possa ser resolvido apenas pelo Estado. Se pegar, por exemplo, a educação é um direito de todos e um dever do estado e da família. Se a família não colaborar, o Estado não consegue educar uma pessoa que é abandonada, que não tem ambiente para estudar, que não tem apoio da família. Como o Estado
vai resolver isso sozinho?

GP&D - E os candidatos estão preparados para falar de gestão pública?

Hélio Teixeira - Muitos candidatos têm receio de falar em máquina pública nas eleições. É difícil, mas é possível falar de forma apropriada sobre este tema. O Collor, por exemplo, aproveitou umaagenda de Alagoas que é de bater nos marajás e no servidor público improdutivo e alienado e ganhou muito voto. E até hoje dá muito voto falar que vai reduzir número de funcionários, uma coisa meio oportunista. O que eu acho importante é tratar de forma equilibrada, ou seja, o servidor tem que ser dignificado e não maltratado. A máquina tem que ser composta, fortalecida e não dizimada. O que eu não posso é tratar de forma fragmentada, achar que o concurso
público resolve tudo. Eu defendo o fortalecimento da máquina pública, mas no sentido amplo, levando em conta um conjunto de funções que faz a pessoa ser produtiva, ter interesse, se sinta dignificada. Tem que haver uma dignificação da função pública.

GP&D - Como o senhor avalia o XIV Congresso Internacional sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública?

Hélio Teixeira - O Clad mostrou uma visão geral do que se faz na gestão pública na América Latina, na América Central e também nos países ibéricos, pois teve representantes de Portugal, Espanha, França, além de organismos internacionais da Europa e Estados Unidos. Os painéis mostraram que tem havido uma tensão maior e que nada funciona sem uma boa gestão. O Clad promoveu o intercâmbio de experiências e de casos de sucesso. É uma grande rede de informação.
“Eu defendo o fortalecimento da máquina pública, mas no sentido amplo, levando em conta um conjunto de funções que faz a pessoa ser produtiva, ter interesse, se sinta dignificada”

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