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quinta-feira, 3 de junho de 2010
GESTÃO DEMOCRÁTICA - FUNDAMENTOS E INSTRUMENTOS
A reforma do aparelho do Estado, que tem origem na crise do modelo keynesiano-fordista (Harvey, 1994; Arrighi, 1996), se apresentou ao mundo, via organismos multilaterais, assentada em dois pilares: o gerencialismo e o controle social (Paula, 2004).
O gerencialismo tem como essência a idéia de que a burocracia precisa ser substituída pela administração gerencial, entendida esta como uma administração ágil e voltada para a sociedade, a quem os gerencialistas consideram clientes (Bresser, 2002: 19).
Trata-se evidentemente de uma simplificação da realidade, uma vez que a burocracia não é um modelo de administração, mas um sistema de dominação. Como um sistema de dominação, a burocracia, sob qualquer modelo de gestão, continua presente. Em outras palavras, não há como a sociedade contemporânea desfazer-se do sistema racional-legal - expressão usada por Weber para designar a burocracia moderna. Significa um sistema cuja racionalidade está definida em leis, normas, regulamentos, regimentos, regras, e não na vontade de uma autoridade tradicional (monarca absolutista, senhor feudal) ou de um líder carismático (Weber, 1964: 735/6).
A rigor, este sistema racional-legal, ao contrário de diminuir ou ser substituído, se tem expandido. Há novas e crescentes esferas da vida social (e da vida pessoal) que foram alcançados pela lei e pelo aparato administrativo decorrente da lei, isto é, se burocratizaram. É o caso da esfera ambiental e da família, hoje regidas por leis que não mais permitem a livre degradação do ambiente natural, como não permitem o comportamento familiar desmedido, onde a violência doméstica era respeitada como se o lar não fosse parte do mundo social.
O gerencialismo, portanto, não substitui a burocracia, mas empresta a ela um dado tipo de gestão, introduzindo procedimentos que imprimem mais agilidade aos processos. Estes procedimentos são objeto de leis, normas, regulamentos que reburocratizam as práticas da administração pública. É exemplo disto a introdução da informática na esfera pública, o que tem proporcionado maior comodidade ao público no acesso a informações, no usufruto de direitos, no cumprimento de deveres e na resolução de problemas em vários setores da administração pública. Tudo isto autorizado por reordenamento jurídico, portanto, tudo isto burocratizado.
A segunda simplificação que tem acompanhado o discurso da reforma gerencialista do Estado é a consideração de que o público constitui uma clientela, a exemplo do que ocorre a uma empresa privada e seus clientes. Mas o conceito de cliente tem características que não contemplam o conceito de público, apesar de ambos estarem do ponto de vista funcional “do outro lado do balcão”, como dizia Hélio Beltrão.
O público não define o preço pela pressão da sua demanda. O cliente sim. Fosse assim, por exemplo, as linhas de transporte teriam tarifas proporcionais ao número de usuários e as escolas públicas bem sucedidas cobrariam valor adicional ao imposto pago pela manutenção da educação pública. Ou uma carta simples postada no Pará custaria mais pelo fato de ir para São Paulo, do que ir para o Rio Grande do Sul. A medida do público é o custo do serviço ou do bem, isto é, não deve haver oportunismos de mercado quando um serviço se torna mais demandado.
O público freqüentemente não tem serviços ou produtos substitutivos dos serviços públicos. Não há universidades, não há segurança pública, não há corpo de bombeiros, não há sistema judicial, não há sistema assistencial ou previdenciário, não há diplomacia públicos substitutivos, com as características da gratuidade e, em certos casos, da segurança e reconhecimento que permitam a opção. Bem que gostaríamos, em alguns momentos, de encontrar um serviço substitutivo para o Senado ou a Câmara dos Deputados, mas efetivamente não há. A verdade é que há serviços que representam o interesse coletivo e não podem ter paralelos, sob o risco de se espalhar a injustiça e a insegurança públicas. Imaginem o que seria a existência de dois Senados ou duas Câmaras de Deputados. Ou duas diplomacias. Ou dois sistemas de segurança pública.
O público não pode dispor de vantagens pela capacidade de pagar mais pelo serviço ou bem público. Não há, para o nosso bem, a possibilidade de se pagar mais, legalmente, por uma sentença, desde que lhe seja favorável. Ou para ter acesso a uma universidade pública conceituada. O critério público é o critério do mérito, do merecimento ou da necessidade, não da renda pessoal do cliente.
O público é responsável pela administração, porque elege os dirigentes políticos que, por seu turno, escolhem os administradores públicos. O cliente não escolhe os dirigentes das empresas. Na administração pública, a distância moral e física entre o público e os administradores não é aquela que ocorre entre o cliente e os gestores da empresa privada que em certos casos são completamente desconhecidos ou até mesmo domiciliados em outros países.
O público não paga apenas pelo que consome. O público paga pelo que pode um dia consumir e pelo que jamais deseja consumir. Paga pelos bombeiros e um dia pode ter necessidade deles. Mas, a rigor, deseja que isto jamais aconteça. Paga pela assistência social aos desvalidos. Mas igualmente não deseja usá-la. No entanto, paga, e em certos casos paga com um forte sentimento de auto-gratificação. Portanto, o público tem uma relação de dois tipos com os serviços públicos: como usuário, efetivo ou potencial, e como solidário com a res pública.
O público não consome apenas o que paga. Há um direito por trás do serviço e este direito é impessoal. Muitas vezes, o público paga muito aquém do que teria que pagar. É o caso do público de baixa renda que usa em acidentes graves os serviços dos hospitais públicos. Ou das universidades públicas. Os impostos que recolhem, em certos casos exclusivamente impostos indiretos, representam valores pequenos em face dos impostos diretos e indiretos recolhidos pelos mais ricos. Dizem que empresários não pagam impostos, dado que os impostos que pagam estão embutidos nos preços da mercadoria. Para Kalecki, nisto consistiria a diferença entre os trabalhadores e os capitalistas: os primeiros gastam tudo que ganham e os segundos ganham tudo que gastam. Mas do ponto de vista da receita fiscal, eles pelo menos devem recolher impostos. Quando recolhem, são valores altos. No entanto, isto não impede que os pequenos contribuintes possam consumir serviços de custos altos prestados pela administração pública. Na visão do sistema privado, predomina a lógica de Friedman, segundo a qual não há almoço grátis. Só se paga pelo que se consome e o cliente só consome se paga. Não é esta a lógica da administração pública.
Portanto, este público não é cliente. Ele tem papel de consumidor, mas igualmente de provedor. De demandante e de fornecedor. De governado e de governador. Ele é cidadão. Significa que “é uma pessoa dotada da capacidade de ser governada e governar”, no dizer mais antigo de Aristóteles (Política, 1988:104).
É neste sentido que a dimensão do controle social representa a verdadeira reforma do Estado, aquela que enfim promete entregar ao cidadão, senão toda, uma grande parte do controle da administração pública. Este controle desenvolveu-se pouco, no Brasil, apesar de a Constituição Federal ser anunciada, em certa medida corretamente, como “Constituição Cidadã”.
Esta idéia de cidadão, antiga, como vimos, e repetitiva através dos tempos. É simultaneamente um tensionamento da democracia e um produto da própria democracia. Tensionamento, porque a democracia significa também uma regra, em que se presume que o povo governa através de seus eleitos. A atitude cidadã de querer governar ao lado e além do seu mandatário é em certa medida um paradoxo. Tem um caráter subversivo da ordem democrática representativa. Mas, tensionamento ou paradoxo, só na democracia e sobre os seus mais fortes pilares, a igualdade e a liberdade (Bobbio), pode-se imaginar o cidadão atuando ao lado do seu representante e em certas ocasiões lhe tomando a palavra. Por isto, a discussão sobre o assunto passa obrigatoriamente pela democracia.
1. Democracia
A democracia é entendida como o governo do povo.Ao pé da letra é o que se lê. Seria o oposto da aristocracia ou da plutocracia, o governo de alguns, os melhores, ou o governo dos ricos. Modernamente, a democracia é entendida sob duas acepções: a democracia como direito e a democracia como comportamento. Como direito, a democracia é um conjunto de condições:
1. cargos eletivos para o controle das decisões políticas
2. eleições livres, periódicas e imparciais
3. sufrágio universal
4. direito do cidadão a ocupar cargos públicos
5. liberdade de expressão
6. existência e garantia legal ao acesso a variadas fontes de informação
7. direito de constituir associação e organizações autônomas, partidos e grupos de
interesse
8. instituições democráticas que orientem e implementem as políticas públicas.
Em sua segunda acepção, a democracia é um comportamento do cidadão que é disponível e receptivo para participativamente expressar e ouvir o contraditório, para conviver e relacionar-se com as diferenças mais variadas e com as preferências da maioria e das minorias.
Em ambas as acepções, a democracia é um tipo de governo extremamente difícil. Ainda que seja aquele em que a vida pode ser mais fácil.
Considerando sua face extremamente difícil, a democracia depende do Estado, como instrumento de organização social e política, e da administração pública, o braço operacional do Estado.
As oito condições apontadas acima e a acepção de democracia como comportamento exigem uma sociedade muito organizada ou, como diriam os contratualistas, alguém ou alguns que possam garantir a harmonia. Enquanto não se dá por construída essa almejada sociedade muito organizada, resta o Estado e a sua administração cumprirem com o dever de buscar e garantir as condições necessárias à regra e ao comportamento democrático.
2. Democracia direta e indireta
A democracia direta, aquela praticada pelos gregos antigos, remanescente em cantões suíços e nas assembléias, significa a manifestação presencial do próprio cidadão que com sua voz e voto participa da decisão política.
Este modelo tornou-se impraticável, em face das grandes populações, que não podiam ser comportadas nos espaços disponíveis, de modo a participar dos debates e tomar a decisão simplesmente levantando o braço.
A democracia direta foi substituída, para as grandes populações decisórias, pela democracia indireta que se constitui na representação destas grandes populações por um ou mais cidadãos eleitos, de acordo com as oito condições antes relacionadas. São estes cidadãos, mandatários da vontade popular, que vão representar estas populações e tomar decisões políticas em seu nome.
Entretanto, apesar de a democracia representativa ter sido um achado inglês para resolver o problema das grandes populações e de certa forma ter salvado a democracia dos apressados que já a queriam abandonar, porque impraticável, a verdade é que esta solução nunca foi inteiramente aceita.
Ao longo do tempo, as críticas à limitação da democracia indireta se avolumaram. Desde Rousseau, que a considerava o direito de escolher um tirano de 4 em 4 anos, até o liberal Stwart Mill, que pedia a participação direta do cidadão na gestão do Estado. Muitos entenderam que a democracia representativa não tinha o poder de impedir que os representantes formassem uma casta política, colocando muitas vezes os seus próprios interesses à frente dos interesses dos seus representados. Igualmente não podia impedir que gradativamente os representados perdessem de vista os representantes, não os acompanhando no seu dia-a-dia decisório. Tratava-se de um cheque em branco, passado pelo representado para o representante. Esta forma hobbesiana de entregar a sua liberdade a alguém não era compatível com o sentimento antimonárquico que acompanhou a emergência da própria democracia e principalmente da república.
Tudo isto concorreu para que a democracia contemporaneamente seja considerada nas duas acepções a que nos referimos: direito e comportamento. Como direito, ela é essencialmente representativa – eleitores, eleitos, cargos e autoridades públicos. Mas como comportamento ela é convívio, presença e participação, para o que são fundamentais os direitos à expressão, organização e acesso à informação.
Portanto, a democracia desejada é aquela que agrega, ao sistema representativo predominante, elementos do sistema direto de decisões.
A administração pública tem nas últimas três décadas procurado meios de tornar isto factível. Isto é, tornar praticável a combinação das duas formas, direta e indireta, direito e comportamento. Nisto consiste factualmente a gestão pública democrática.
3. Poliarquia
Apesar destes esforços da administração pública, a democracia, no seu sentido pleno, aquele que supõe o governo do povo, não se tem efetivado. O empenho, e até mesmo o sucesso, dos mais sinceros e generosos governos, no sentido de dar acesso aos cidadãos e estimulá-los a participar das decisões, tem esbarrado em várias limitações. Estas limitações têm levado a que muitos analistas considerem que ainda não temos a condição de dizer que a mais aberta das formas de governo capitalistas, a democracia liberal, é de fato um governo do povo.
O referido sucesso de alguns governos no plano de dar condições ao exercício da cidadania aos seus cidadãos tem se verificado por via de grupos de interesse, lato sensu.
A democracia, apesar de suas limitações, tem como condições a livre expressão do pensamento e o direito de organização e de formação de partidos, associações e grupos. Milhões de cidadãos estão organizados na sociedade democrática, usufruindo destes direitos. Eles formam partidos, associações e grupos para expressar seus pensamentos e influir de forma decisiva nas definições políticas.
O cientista político Robert Dahl (1997) entende que este é o estágio mais avançado a que chegou a democracia. A este estágio ele chama de Poliarquia, “regime com disputa de poder e ampliação da participação política”.
Significa dizer que para se efetivar aquilo que mais próximo está da democracia, a realidade de nosso tempo, nas nossas polis, cidades, estados e nações, exige do cidadão a organização em alguma instituição representativa da sociedade civil.
Realmente, inúmeras organizações operam no cenário da política e de fato influenciam os cursos de ação do governo, as suas políticas públicas. Fora delas, pouco se pode fazer.
A poliarquia, regime de muitos governos, reconhece a legitimidade destas associações e grupos de pressão. Mais do que reconhecer a legitimidade, a poliarquia com que convivemos na sociedade moderna e contemporânea estimula estas formas de participação e toma estas associações como interlocutores válidos para a decisão.
Ora, o cidadão comum, não organizado, certamente se vê em situação desvantajosa nesta corrida pela participação.
Neste sentido, a poliarquia, fenômeno revelado por Dahl, mas reconhecido por toda a ciência política, traz mais um desafio para a administração pública republicana, entendida a república como consensus júris e communis utilitatis, para usar as expressões de Cícero (1952:64). Isto é, uma vez que a república entende que a coisa pública tem o consenso do direito e a comum utilidade, a administração pública, braço operacional do Estado, tem o dever de minimizar a desvantagem do cidadão comum, atomizado, cujas limitações educacionais e culturais o impedem de exercer o direito à organização.
Lembremos que o próprio conceito de cidadão, melhor construído por Marshall, tem como condição o usufruto dos 3 direitos: os direitos sociais, os direitos políticos e os direitos individuais (Marshall, 1950) . Ou seja, apenas a pessoa que tem acesso a estes 3 direitos poderia exercer papel tão relevante e altruístico de doar parte do seu tempo para participar da gestão pública. Mesmo que, longe do altruísmo, estivesse motivada pelo egoísmo, mas limitada em alguns direitos, ela não encontraria tempo para se entregar aos debates, passeatas, audiências e reuniões – atividades hoje absolutamente necessárias a quem se dispõe a exercer a cidadania.
Portanto, o desafio da administração pública contemporânea é o de minimizar todos estes óbices, barreiras e desestímulos colocados ao cidadão comum, de modo a que a participação e o incentivo à cidadania não acabem por reforçar a desigualdade. Isto porque, sem o cidadão comum, novamente estarão aptos a participar apenas os que, já exercendo plenamente os 3 direitos, dispõem de meios, renda, tempo e domínio dos códigos de poder da sociedade.
4. Crise da burocracia e relegitimação
A administração pública tem em sua história uma trajetória patrimonialista longa, que se estende dos governos monárquicos até o início do século XX. Ao correr deste tempo, mesmo os governos pós-monarquia tiveram uma relação pouco republicana com os bens públicos. Mais uma vez lembrando Cícero na obra citada, a res publica exige uma relação diferente da privata, da domestica e da familiaris. O comum, da comunidade, não pertence a alguns ou a alguém, mas a todos.
A burocracia moderna, que Weber revelou, em Economia e Sociedade, vai trazer para os governos, principalmente, o instrumento poderoso de realização de dois dos valores que hoje são princípios da administração pública: a legalidade e a impessoalidade, tornando viável a separação entre a propriedade e a gestão (Weber, Ibid: 719/21). Esta separação entre a propriedade e a gestão é o princípio dos princípios republicanos, para o administrador público. Ele é o gestor, mas não é o dono da coisa pública. Disto parte uma boa gestão pública.
A base de tudo isto é a legalidade, motivo pelo qual Weber vai falar de sistema racional-legal, quando se refere à burocracia moderna.
Antes, Immanuel Kant (1971:193) já havia observado que residia no direito, na Constituição, a efetividade da razão prática da res publica.
Esta condição legal vai fazer a burocracia moderna se desenvolver no ambiente republicano.
A partir dos anos 1940, sob o choque do crack de 1929 e da Grande Depressão que se seguiu, os Estados nacionais aumentaram sua presença nos cenários político, social e econômico, transformada em tendência mundial, sob o incentivo da obra de Keynes (1964). Em outras palavras, os Estados nacionais de feição liberal se converteram em estados keynesianos, mais adiante em Estados de Bem-Estar Social ou em social-democracias – todos com o víeis comum de atribuir à administração pública um papel relevante na gestão econômica e social.
As despesas públicas, que antes da Primeira Guerra (1914), estavam na casa dos 9% do PIB dos principais países, tendo nos extremos os EEUU (1,8%) e a França (17%), saltaram após a Grande Depressão (aproximadamente 1937) para a casa dos 20%, tendo saltos monumentais, como da França (de 17 para 29%), do Japão (de 8,3 para 25,4%), do Reino Unido (de 12,7 para 30%) e da Alemanha (de 14,8 para 42,4%), esta última por motivação diferente, que se conheceria poucos anos mais tarde (Tanzi, V. e Schuknecht, L, 1995:49).
Depois da Segunda Guerra (1945), estes percentuais sobre o PIB tornaram a saltar, tendo alcançado nos anos 1990 a casa dos 50%, em média, pontificando a Suécia com 68% do PIB administrados pelo governo. Mesmo no extremo mais baixo, os EEUU ultrapassaram a casa dos 30% (33,5%), conforme os mesmo autores (ibid).
Isto deu à máquina pública uma responsabilidade inusitada. A administração pública cercou-se de proteções, promovendo a mais ampla burocratização, de modo a tornar o mais legal e impessoal a gestão destas fortunas nacionais.
Mas este processo de legalização da vida, que continua, foi se tornando cada vez mais amplo e invasivo, cada vez mais extenso e rígido. Para o bem e para o mal. Hoje, os diversos códigos e estatutos foram legalizando/burocratizando desde as negociações comerciais (Código do Direito do Consumidor) até as relações familiares (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Maria do Carmo, Estatuto do Idoso), relações anteriormente vistas como espaço onde tudo podia acontecer isento de juízo social, até as mais criminosas violências. A informatização, por outro lado, infelizmente, apesar das vantagens interativas a que nos referimos no início, ao contrário de amenizar, de certo modo radicalizou a rigidez burocrática. Hoje, mais do que os próprios burocratas, os sistemas informatizados determinam a inflexibilidade. A frase, mais comumente ouvida, nas organizações burocráticas públicas e privadas, é: “o sistema não permite”.
Ao lado disto, cresceu também a distância entre os que decidem, os que executam e os que dependem da execução da administração pública. Várias distorções foram se verificando nos negócios públicos, desde a malversação do dinheiro, até a corrupção; desde o abuso de poder à omissão. Foi chegando ao extremo o que Marx dizia em seu tempo:
"A burocracia tem a posse da essência do Estado, da essência espiritual da sociedade; esta é sua propriedade privada. O espírito universal da burocracia é o segredo, o mistério; guardado em seu interior por meio da hierarquia e, em relação ao exterior, como corporação fechada." (Marx, 2005:66).
A burocracia, antes introduzida para legitimar os negócios públicos foi se tornando estranha ao público. Este público, por seu turno, foi se tornando um crítico vigoroso, algumas vezes cruel e injusto, mas genérica e generalizadamente cheio de razão.
As eleições e as autoridades eleitas, a cada período sucessório, não parecem devolver à burocracia a legitimidade, diante do público. Este fenômeno de descolamento entre a burocracia e a manifestação democrática eleitoral já havia se revelado ao tempo de Weber, 1919, que acusa a burocracia de se constituir como algo independente, insensível aos reclamos do povo (Weber, 1980.). Uma leitura muito próxima do que Marx dissera há quase 80 anos antes.
Mas a administração pública precisa de governabilidade. Precisa evitar a anomia e garantir a normalidade, o cumprimento das leis, o andar da carruagem. Uma burocracia governamental deslegitimada custa caro, porque isto se expressa em problemas para o seu funcionamento: resistências, sabotagens, vandalismos, rebeldias saudáveis e não-saudáveis.
É no sentido da legitimação que formas de aproximar e de introduzir o público na administração pública foram sendo criadas e praticadas. Formas de canalizar as rebeldias para que elas se convertam em energia transformadora para melhor. Trata-se do que Pierre Muller, analisando a crise da burocracia norte-americana, chamou de “relegitimação da burocracia” (Muller, 1990: 119).
A gestão pública democrática cumpre, portanto, o papel de tornar a burocracia novamente legítima e propiciar ao governo menores custos para governar.
5. A Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, pode ser definida como o clímax do movimento de redemocratização, pós-ditadura militar.
A ditadura marcou sua passagem com várias feridas, que iam desde a relação internacional de alinhamento automático com a política externa norte-americana, do qual foi símbolo a frase atribuída ao então Chanceler Juracy Magalhães – “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” – até o bi-partidarismo, que inspirou o comentário popular de que o Brasil teria dois partidos, um do “sim”, outro do “sim, senhor”. Exageros à parte, dado que o Brasil em alguns momentos discrepou da política externa dos EUA e também o MDB não foi constantemente um partido dócil, havia, entretanto, uma certa dose de verdade na avaliação popular.
Dentre as feridas abertas, o silêncio do cidadão, a sua quase completa eclipse, sub-produto das limitações à livre expressão do pensamento e menos livre ainda direito de organização, foi uma ferida extensa e profunda.
O grande movimento que vem na direção da Nova República, do qual participaram específicos movimentos, desde a campanha pela anistia geral e irrestrita, até o movimento pela Constituinte, todos reforçavam a denúncia do cidadão amordaçado e constrangido; da liberdade suprimida; do direito de organização e expressão desrespeitado.
Deste modo, a Assembléia Nacional Constituinte foi o desaguadouro destas queixas, denúncias e protestos. A Constituição que foi produzida por essa Constituinte teve, portanto, a intenção de sarar estas feridas.
Não é à tôa que Ulisses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, ao promulgar a Constituição, em 1988, a anunciou como “a Constituição-Cidadã”.
A cidadania aparece no texto constitucional em diferentes partes e situações, em evidente esforço de (re)criar a figura do cidadão e dar a ele um papel protagonista antes desconhecido. Apesar de por muitos anos, mesmo após a promulgação da Constituição, ter-se prolongado aquilo que Sônia Teixeira classifica como estados sem cidadão (Teixeira: 1992), a carta magna brasileira faz um evidente esforço para, no plano dos três direitos, como define Marshall, criar condições para o desenvolvimento da cidadania.
Logo no artigo 1º aponta a cidadania como segundo fundamento da República, após a soberania, evidentemente o primeiro fundamento, sob pena de não existir o Estado (Constituição Federal do Brasil, 1988).
Nos Direitos e Garantias Fundamentais, a partir do artigo 5º, seguem-se várias afirmações civis e políticas, da igualdade entre os sexos à livre manifestação do pensamento e crença, do direito de organização, portanto, de associação coletiva, até o direito de individualmente ser governo pela via da ação popular, para anular atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade, ao meio ambiente e outras dimensões da vida pública (art. 5º, LXXIII).
No campo dos direitos políticos (Capítulo IV), a Constituição é igualmente farta em possibilidades, desde o direito de votar e ser votado e de criar partidos, até a figura da “iniciativa popular” (art. 14, III), regulamentada pela Lei 9.709/98, mas já suficientemente definida como viável com o apoio de “pelo menos, cinco por cento do eleitorado” da cidade (art.29, XIII).
A Constituição Federal de 1988 traz ainda uma clara disposição de, no plano da lei, criar o ambiente jurídico-político da cidadania de fundo social. Há um extenso capítulo (Capítulo II – Dos direitos sociais), cuja preocupação vai desde a proteção à maternidade (art. 6º) e, “em face da automação” (art. 7º, XXVII), até a participação nos lucros e na gestão da empresa (art. 7º, XI).
Além disto, há espaços formais, além dos partidos e sindicatos, criados para o exercício da cidadania. São os conselhos, desde os conselhos de órgãos públicos, até os conselhos de saúde, educação, da infância e da adolescência e outros, que operam principalmente nos municípios.
Portanto, há também motivos constitucionais para que a administração pública se disponha e se organize para proporcionar ao público o exercício deste papel de cidadão.
6. Controvérsias
A gestão pública democrática, no sentido amplo a que nos referimos, apesar de ter a seu favor esta seqüência de argumentos, tem também suas controvérsias. São situações e aspectos que questionam a legalidade e a legitimidade de algumas formas de participação.
Há ainda condições que atuam contrariamente a gestão pública democrática, ou pelo menos não a favorecem. Vejamos quais:
6.1 A escolha eleitoral-legal
A estrutura do poder público é ocupada por mandatários escolhidos pela regra democrática. Seja no poder executivo, seja no poder legislativo, os dirigentes são investidos do poder legal, para tomar decisões.
Isto tem feito com que algumas reações às formas participativas sejam fundamentadas na função legal do governante ou do parlamentar.
O governante argumenta com o direito de implementar seu programa que formalmente teria sido votado com ele e, portanto, tão “eleito” quanto ele, o candidato.
Às reações contra a reforma da previdência, o então presidente Fernando Henrique Cardoso respondeu que foi eleito e o eleitorado havia feito sua escolha. Esta escolha recaiu sobre ele e não sobre o seu adversário. Ele fora eleito, disse, para executar um programa de ação. A seguir, exibiu os dedos da mão espalmada, lembrando seu programa de cinco pontos, onde se encontravam as reformas e nelas a reforma da previdência.
Também se encontram resistências no parlamento, sob o mesmo argumento, quando os parlamentares, deputados e vereadores, se declaram ultrapassados em seu direito de decidir sobre certas matérias que estão sendo debatidas em fóruns da cidadania.
6.2 A limitação da poliarquia
Há argumentos contrários que estão na linha direta do que já comentamos acerca da poliarquia, quando os críticos do sistema participativo vão afirmar que a participação freqüentemente se converte em lobby dos grupos de pressão ou dos militantes de partidos.
Estes lobbys estariam, por seu turno, representando minorias organizadas que se beneficiam de suas condições social ou politicamente privilegiadas.
Neste caso, não se argumenta pelo ângulo da legalidade, mas da legitimidade, questionando-se o quanto se deve conceder a estas formas de associação e participação, considerando a pequena representatividade que têm.
6.3 O despreparo do cidadão
Um terceiro argumento, que faz oposição à gestão pública democrática, é o despreparo do cidadão, no sentido do que se exige a quem quer participar do governo.
Pondera-se que este cidadão opera com o seu interesse e subordina a esse interesse as condições técnicas e até mesmo as necessidades e prioridades alheias, a que o Estado tem também que responder.
Além disto, há o despreparo no plano da informação e do conhecimento, o que também limitaria esta participação e, pior que limitar, expõe o processo decisório público ao risco de aprovar ou reprovar por pressão algo que deveria submeter-se a critérios objetivos.
São despreparos cívico e técnico que comprometeriam a participação e, por extensão, a gestão pública democrática.
6.4 A ameaça à governabilidade
Alguns críticos do processo participativo, que dá essência à gestão pública democrática, apontam para a instabilidade gerada pela permeabilidade às pressões.
Neste sentido, dizem que o incentivo a formas de participação às vezes não consegue colocar limites nos processos – seja limite de conteúdo, seja limite de forma. Ou ainda limite do alcance ou limite de tempo, ou mesmo limite no comportamento do cidadão em face da autoridade e de outros cidadãos.
Este aspecto destaca um lado técnico do processo participativo e da gestão pública democrática: o tipo e o grau de participação. Em outras palavras, a regra do jogo.
A ausência de regras do jogo previamente definidas ou sua definição no transcorrer do jogo trazem de fato sérios problemas, porque não se estabelecem os limites. Ou são estabelecidos ao sabor do caso, quando os problemas começam a se revelar, no andamento do processo. Sem estes limites, há de fato riscos significativos para a governabilidade, na medida em que a participação, ao contrário de se integrar ao processo decisório público, se transforma em fator de conflito destrutivo.
6.5 O despreparo dos governantes
O despreparo dos cidadãos tem seu efeito, mas o despreparo dos governantes tem efeitos mais graves ainda.
Este despreparo, tal qual o do cidadão, é de natureza técnica e de natureza comportamental. O governante desconhece os fundamentos, os meios e os riscos do processo participativo. É nestas condições que mergulha na gestão pública democrática supondo que a boa vontade é o suficiente para o acerto.
De outra parte, supõe que a gestão pública democrática tem o condão de tornar todos contributivos e cordatos. Na verdade, quando se abre um processo de gestão pública democrática, ainda que se tenham os limites bem definidos, entra-se em um terreno de incertezas que exige do gestor muita paciência e habilidade políticas.
Inclusive a maior das habilidades, que é a habilidade de saber perder.
Perder um ponto de vista ou um projeto acalentado; ver crescer e ser aprovada uma proposta com a qual não tem identidade ou vinda do adversário mais diametralmente oposto; isto exige habilidade pouco encontrada em quem está ocupando um cargo de decisão e se acostumou a mandar e ser obedecido.
Debater com debatedores grosseiros ou desonestos também deve estar nas cogitações do gestor público democrático. Enfrentar pressões de grupos ou de massas, ouvir apupos ou outras coisas desagradáveis, também.
Para tudo isto é preciso ter preparação, que começa pela consciência de que isto, apesar de não fazer parte de um processo participativo civilizado, aparece nos processos participativos. Como dizia Weber, comentando sobre o carisma nos tempos modernos, “isto não é deste mundo, mas está neste mundo”.
A democracia como comportamento é mais difícil de ser conduzida do que a democracia como direito.
7. O tipo e o grau de participação.
Na discussão sobre limites de participação, destaca-se a definição do tipo de participação e o grau desta participação.
Há participação de dois tipos: direta e indireta. A participação direta é aquela em que o próprio cidadão assume sua palavra e comparece às atividades promovidas pela gestão pública democrática. Uma audiência pública é exemplo de participação direta.
A participação indireta se dá mais uma vez por via de representantes. O Conselho da Infância e do Adolescente é constituído através de representantes eleitos por um colégio qualificado de eleitores que se apresentam para participar da escolha destes representantes.
A gestão pública democrática evidentemente considera a importância das formas indiretas de participação e as valoriza. Mas o grande desafio colocado ao gestor contemporâneo é encontrar formas diretas que incorporem cada vez mais cidadãos em sua dimensão política.
Quanto ao grau de participação, a escala de Bordenave (1983) nos oferece 6 possibilidades: a consulta facultativa, a consulta obrigatória, a elaboração, a co-gestão, a delegação e a auto-gestão.
Estes graus, como se observa, começam da menos expressiva participação, a consulta facultativa, até a forma mais avançada - que a rigor ultrapassa a participação – a autogestão.
Definindo-se participação como a influência dos cidadãos exercida sobre os dirigentes, estes graus de participação representam o quanto desta influência se verifica. Uma audiência pública é um grau de consulta, quase sempre facultativa, às vezes consuetudinária (orçamento público, por exemplo). Mas seja um ou outro caso, é um grau de influência menor que um processo de co-gestão como o orçamento-participativo, por exemplo.
A definição do tipo e do grau de participação que se verificarão na gestão pública democrática dirá do quanto de avanço da democracia como comportamento se realizou. Mas, sem dúvida, é conveniente não avançar além do que se tem condições de garantir como válido e adequado. Voltar de um grau mais adiante para um grau mais atrás de participação é um desgaste caro para uma gestão pública que se pretende democrática.
A formulação da política pública da área, a avaliação do pessoal, o projeto de lei, o plano de trabalho, um investimento, o orçamento, tudo isto pode ser objeto de iniciativas democratizantes do gestor, em certo tipo e em certo grau a ser definido.
Integrando esta preocupação e de certa forma parte da definição do grau, resta a questão do caráter da participação ser consultivo ou deliberativo. Este debate tem de fato ocupado o cenário da gestão societal e com razão. A opção por imprimir caráter deliberativo à participação do cidadão significa compartilhar o poder de modo elevado. O caráter consultivo significa garantir o conforto do poder de decisão final em mãos do governo.
Considerando a escala de Bordenave, graus de consulta, são a consulta facultativa e a consulta obrigatória. A elaboração, apesar de um grau mais avançado, pode ser consultiva ou deliberativa, uma vez que a decisão elaborada pode estar condicionada a uma decisão superior ou não. A co-gestão é um grau mais avançado e tem o caráter deliberativo, uma vez que governo e cidadãos estão compartilhando a decisão. Historicamente, a co-gestão tem reservado uma pequena maioria no conselho co-gestionário ao governo. A delegação é sem dúvida deliberativa, ainda que possa ser suspensa ou retirada a qualquer momento. A auto-gestão é forma mais avançada. É deliberativa e as forças são equilibradas.
Enfim, há um processo decisório prévio, a ser assumido pelo gestor, antes de anunciar a gestão pública democrática do seu governo.
8. Formas de participação
A gestão pública democrática conta hoje com algumas formas de funcionamento, que são de tipo direto, algumas outras de tipo indireto; algumas deliberativas, outras consultivas; algumas de grau avançado, outras incipientes. A escolha do dirigente público deve levar em conta a sua própria preparação e a preparação do cidadão.
Ambas as preparações podem ser desenvolvidas e o poder público pode concorrer para isto ou se proteger alegando as limitações. Isto depende de decisão política. O governante quer ou não compartilhar o poder com o público? E se quer, o quanto está disposto a compartilhar e empoderar os cidadãos? Disto depende o tipo, o grau e o caráter da participação popular. Ainda que ninguém, menos ainda um governante, se deva deixar levar pelo voluntarismo, há uma boa dose de vontade política nesta decisão.
Mesmo que se possa dizer, como se diz freqüentemente, que cidadania não se ganha, mas se conquista, não há dúvida de que o nível de desorganização popular, que hoje se verifica, não dispensa a ajuda do poder público para ser superado. Alguns poderes públicos são assumidos por partidos políticos com esta consciência. Isto é, a consciência de que é preciso criar, dirigir e fazer acontecer mecanismos que dêem acesso e estimulem o cidadão a participar.
Esta concepção está presente na proposta de gestão de alguns projetos políticos. Além disto, atualmente, este modo de pensar a gestão pública é tido como uma concepção contemporânea. Mas esta concepção precisa de investimento público para de fato acontecer.
O ClAD, Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimento, no texto La responsabilización em la nueva gestión publica latinoamericana, diz, a este respeito, que
“es necesario construir mecanismo institucionales que garanticen el control público de las acciones governamentales, no solo ediante las elecciones, sino también a lo largo del mandato de los representantes”(CLAD: 2OOO).
É destes mecanismos que tratamos quando discutimos formas de participação e controle da administração pública. Sem pretender diminuir a capacidade de formulação, criação e de arquitetura política dos próprios governantes, em cada local, procuramos a seguir indicar algumas destas formas, com base na experiência nacional e internacional, esta última já disponível desde a conhecida contribuição de Osborne e Gaebler, em Reinventando o governo (1995):
8.1 Orçamento-participativo – processo de discussão pública dos orçamentos, conduzido pelo governo. Objetiva escutar os cidadãos em assembléias de regiões da cidade ou do Estado, com o a finalidade de distribuir as verbas públicas de acordo com as prioridades das populações, definidas por estas mesmas populações. Opera com verbas definidas e tem caráter deliberativo. Sua formalização final passa, entretanto, pelo poder legislativo, cabendo mais uma vez a ação co-gestionária do governo e dos cidadãos organizados para fazer valer nas votações do parlamento a vontade expressa nas assembléias populares.
8.2 Círculo de qualidade – encontros periódicos, com data e local pré-estabelecidos e publicizados, abertos à participação popular, organizados pelo governo - órgão direto ou ente da administração indireta - destinados a identificar problemas e soluções. Deles devem participar diretamente cidadãos e funcionários públicos do órgão ou ente em questão, sem número fixo.
8.3 Comitê de trabalho – cidadãos com algum grau de conhecimento sobre a atividade pública e a comunidade de interessados, tendo por objetivo propor idéias e contribuir com o planejamento da ação pública naquele setor. Do Comitê também podem participar funcionários do serviço público em questão.
8.4 Pesquisa de avaliação – quando o cidadão é ouvido de modo estruturado, através de questionários aplicados por pesquisadores, obedecendo a critérios amostrais, de modo a se poder contar com a opinião do cidadão na avaliação do(s) serviço(s) prestado(s).
8.5 Avaliação dos dirigentes ou servidores – através de formulários de avaliação disponibilizados no local de prestação do serviço, o cidadão se manifesta de modo crítico e propositivo acerca do serviço, dos dirigentes do serviço e dos servidores. Esta avaliação deve trazer conseqüências funcionais sobre os dirigentes e servidores.
8.6 Campanhas de inovação – temporada em que, através de Círculos, Comitês, Pesquisa e outras formas usuais e contínuas de controle social, o serviço público solicita aos cidadãos que façam propostas para inovar, criar ou desenvolver tipos de serviço ou atividades que melhorem a qualidade de vida da população.
8.7 Conselhos estaduais – alguns criados pelas Constituições Federal e Estadual, outros por iniciativa do próprio ente público, os Conselhos são formas indiretas de participação e se destinam a realizar o mais amplo controle social, fazendo críticas, propondo mudanças e projetos, formulando políticas públicas, contribuindo para sua implementação e as acompanhando. Como forma indireta, necessitam de procedimentos eleitorais para sua constituição.
8.8 Acompanhamento do usuário – iniciativa do serviço público, que, logo após a prestação de certo serviço, vai ao usuário consultá-lo sobre a qualidade e a efetividade do serviço prestado. Isto propicia efeito sistêmico sobre o serviço e sobre os agentes prestadores do serviço.
8.9 Ouvidoria – canal de comunicação direto com o cidadão, é um serviço oferecido, amplamente publicizado, que tem por objetivo ouvir os reclamos ou incentivos em relação ao serviço ou aos prestadores do serviço.
8.10 Ombudsman – serviço semelhante ao da Ouvidoria. A palavra é sueca e significa “o homem que representa os interessados” A diferença fundamental com o Ouvidor é que o ombudsman tem mandato, portanto, estabilidade no cargo.
8.11 Teste de marketing – trata-se de submeter aos usuários mudança projetadas, de modo a ter sua anuência, rejeição ou reparos críticos, antes de efetivar-se a mudança.
8.12 Grupo de interesse – cidadãos organizados por iniciativa própria, ou por incentivo da gestão pública, acompanham de perto a execução de dado serviço público, fiscalizando-o, criticando-o, aperfeiçoando-o ou agindo de alguma forma que contribua para o seu bom funcionamento e satisfação dos interessados. Difere do Comitê de trabalho e do Círculo de qualidade. Do primeiro, porque não se exige algum conhecimento sobre o serviço, nem dele participam funcionários. Do segundo, porque além de não permitir funcionários do serviço, o Grupo de Interesse tem certa regularidade e estabilidade nos seus componentes.
8.13 Audiência pública – encontro, convocado para local e data adequados e amplamente divulgados, aberto ao público em geral e às organizações representativas da sociedade civil, quando a autoridade pública submete à discussão um projeto, um orçamento, uma proposta de delegação de serviço de utilidade pública, ou outra iniciativa planejada que se avalie de grande relevância, e em que o público possa/deva previamente opinar. A lei que rege as audiências públicas, Lei 9.784/98, não estabelece obrigatoriedade, mas as audiências públicas têm se tornado uma obrigação ética em certos processos cuja publicidade e moralidade se tornam objetos de grande interesse público.
8.14 Correio eletrônico – meio de acesso pela Internet, disponibilizado para o público manter contato com críticas e sugestões. Assemelha-se à Caixa de Sugestão ou Telefone de Contato ou DDG – discagem direta gratuita. A freqüência em que estes meios são ações particulares e de baixa ou remota interatividade os elege como instrumentos auxiliares da gestão pública democrática, mas não seus suficientes instrumentos.
8.15 E-govern – sítio em que os gestores públicos dão, por via eletrônica, conhecimento de tudo que se passa na sua esfera de governo, permitindo o acesso rápido e seguro ás informações e propiciando a manifestação do público, além do gozo de direitos ou cumprimento de deveres que, antes, lhe custaria o comparecimento, a presença física, ao órgão em questão. O E-govern é importante instrumento facultado pela moderna tecnologia da informação e pela rede internacional eletrônica, funcionando substantivamente ou como elemento auxiliar de outras formas de participação.
Conclusão
A gestão pública democrática significa uma posição inicialmente ideológica, posteriormente política e recentemente técnica, que as condições do mundo moderno foram colocando gradativamente como uma exigência para os novos gestores públicos.
O gerencialismo, isto é, a adoção de práticas da gestão privada no âmbito da gestão pública, não é suficiente para garantir um resultado significativamente diferente da gestão burocrática exatamente porque não deixa de ser uma gestão burocrática.
Apesar de não ser um cliente, ou por ser mais que um cliente, o cidadão tem papel de governar e ser governado, de consumidor e provedor. Se o cliente tem hoje alguma relevância no marketing, mais ainda deve ter o cidadão em relação às políticas públicas, sua formulação, implementação e controle.
Isto, além de ser um direito, pode se converter em importante meio de relegitimação da burocracia pública, reduzir custos de controle e até mesmo de execução.
Mas para que isto aconteça é necessário que o Estado e seu braço operacional, a administração pública, promovam a participação do cidadão, estimulando-o com recursos institucionais, formas de acesso à informação, meios interativos e espaços para debates e decisões.
Não se trata de algo simples e fácil, como aparentemente alguns supõem que seja. Exige a remoção de obstáculos, uns criados e mantidos como forma de preservação de poder. Outros, sustentados por razoáveis argumentos. Além disto, há dificuldades de ambos os lados, seja dos gestores, seja dos cidadãos. Estas dificuldades precisarão ser enfrentadas, para que as formas criadas não se vejam questionadas pelo insucesso dos primeiros passos.
Para contribuir com a remoção dos obstáculos e enfrentamento das dificuldades já existe conhecimento acumulado, experiências e práticas bem sucedidas. Há incentivos constitucionais e iniciativas de diferentes órgãos públicos as quais já se revelaram capazes de efetivamente incluir os agentes da sociedade civil no controle e na decisão. Esta dimensão técnico-administrativa está satisfatoriamente formulada e disponível.
Portanto, o objetivo de desenvolver o controle social depende da ação pública.
Este papel da administração pública será bem melhor assumido, uma vez os gestores públicos convictos dos valores democráticos compreendam que este objetivo também faz parte de sua agenda de governo. Em outras palavras, a gestão pública democrática é antes uma postura do governante, que, para torná-la efetiva e desenvolvê-la cada vez mais, prepara-se, estimula o cidadão a preparar-se e cria meios para ambas as coisas.
Certamente que seu ponto de partida é a compreensão de que as técnicas de gestão, que agilizam os processos, serão mais eficientes e potencializadas com as técnicas e os meios de participação, que democratizam o controle e o poder na administração pública.
Artigo de Claudio Gurgel
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