segunda-feira, 14 de junho de 2010

MUDANÇAS NO ENFOQUE CONTÁBIL APLICADO AO SETOR PÚBLICO


Desde 1964, por intermédio da Lei nº 4.320, a contabilidade aplicada ao setor público do país regulamenta procedimentos na gestão orçamentária, financeira e patrimonial da administração pública nas três esferas de governo.
Embora a lei 4.320/64 estabeleça normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos dos atos e fatos da fazenda pública, do patrimônio público e suas variações, o que vem se efetuando nas rotinas das administrações municipais, em termos contábeis, se resume em apenas controle da execução orçamentária e financeira.
No que se refere ao controle patrimonial, em tese, este é confundido com a mera movimentação de dívidas, bens móveis e imóveis limitando ao registro de seus valores no balanço e no inventário patrimonial, quando o conceito de patrimônio para a contabilidade é bem mais amplo, ou seja, é formado de bens, direitos e obrigações e consequentemente seus efetivos reflexos no Patrimônio Líquido, onde quer que ele esteja.
Dizer que a mudança é na contabilidade seria um contrassenso, pois a própria lei 4.320 já estabelecera o reconhecimento patrimonial como uma das três dimensões da contabilidade pública. Em estudo do assunto, o mestre Heraldo da Costa Reis manifesta da seguinte forma:
O que ocorre é um profundo equívoco nas interpretações citadas sobre o art.35,I e II da lei 4.320, ou seja, há uma confusão de entendimento de gestão financeira e de procedimentos de contabilidade, que são práticas diferentes(...)pois em nenhum momento, tais artigos determinam que as receitas e despesas (...)devem ser registradas pelo regime misto ou regime de competência. Dispõe apenas que receitas e despesas pertencem ao exercício financeiro, mesmo porque este artigo deve ser interpretado em conjunto com o art. 39 (...) que trata exclusivamente de gestão financeira no exercício financeiro no Título IV,(...) enquanto que para contabilidade está reservado o Título IX.(IBAM-Regime de Caixa ou de Competência:eis a questão-2007)
Com a não observância dos princípios fundamentais da contabilidade, entre eles a Evidenciação, a Entidade e a Competência, que orientam os procedimentos contábeis, as informações por ela geradas são ineficientes, fato este que compromete decisões gerenciais, além de não reconhecimento patrimonial de bens, direitos e obrigações, ocasiona déficits de execução orçamentária e financeira, refletindo também no planejamento municipal.
Com a responsabilidade de efetuar a convergência das normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público (Port.MF 184/08), a Secretaria do Tesouro Nacional-STN editou e efetuou atualizações em Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público(MCASP) com enfoque patrimonial/competência. Neste mesmo sentido o Conselho Federal de Contabilidade - CFC, como guardião da contabilidade no país, editou anteriormente a Resolução (1.111/07) que trata da aplicação dos princípios fundamentais de contabilidade na perspectiva do setor público, em especial o da competência (NBC T 16 e 10 variáveis), a qual recomendamos leitura minuciosa e, de preferência, em conjunto com a contabilidade geral para melhor compreensão.
O objetivo de ambos é criar ambiente propício à adequação e implantação das boas práticas contábeis reconhecidas internacionalmente na contabilidade aplicada ao setor público brasileiro de forma que a evidenciação permita comparabilidade e homogeneidade dos demonstrativos, assim como procedimentos contábeis, em consonância com os demais países.
Para tanto a STN e Secretaria Orçamentária e Financeira - SOF do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editaram Portaria Conjunta STN/SOF nº 02/09, junção do Manual de Receita e Despesa Nacional, um volume único denominado “Procedimentos Contábeis Orçamentários”. Logo, o próximo instrumento que orientará a contabilidade pública em nosso país será o MANUAL DE CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO (MCASP) que está estruturado da seguinte forma:

Volume I – Procedimentos Contábeis Orçamentários (Port.Cj STN/SOF -02/09);

Volume II – Procedimentos Contábeis Patrimoniais (Port.STN 467/09);

Volume III – Procedimentos Contábeis Específicos(Port.STN 467/09);

Volume IV – Plano de Contas Aplicado ao Setor Público(PCASP)(Port.STN 467/09);

Volume V- Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público(DCASP)(port.751 e republicou o volume IV).

Atenção especial deve-se atribuir ao volume V (demonstrações contábeis), pois estes foram desenvolvidos no sentido de atualizar os anexos da lei 4.320/64 com o intuito de adequá-los às exigências da LRF e torná-los convergentes com as Normas Internacionais de CASP, fato este que registrou mudanças significativas nos relatórios anteriormente exigidos. A Portaria STN 749/09 foi o instrumento que materializou as alterações dos anexos 4.320/64 e a 751/09 aprova o volume V (DCASP) e estabelece prazos. O objetivo maior destas alterações é a intenção de melhor evidenciar os impactos patrimoniais das transações do setor público. Para tanto, além das alterações, instituíram novos demonstrativos, são eles: Fluxo de Caixa (influência da lei 11.638/07), do resultado econômico e das mutações patrimônio líquido.
Quanto ao calendário para a sua implantação está assim estabelecido:
Facultativo a partir de 2010 para todos os entes da federação, obrigatoriamente em 2012 para a União, Estado e Distrito Federal e 2013 para os Municípios(site da STN ) no que se refere ao PCASP . No entanto o DCASP está obrigatório também para município, conforme port. STN 751/09, a partir de 2012. Registra-se aí uma contradição, pois se para atender o DCASP (demonstrativos) é necessário a adoção do PCASP (plano de contas) como pode o primeiro ser obrigatório um ano antes do segundo? Então pode-se inferir que é, de forma indireta, obrigatória a adoção de ambos em 2012 e não em 2013. Provavelmente a STN observará esta divergência.
Alertamos que é necessário que as empresas prestadoras de serviços já providenciem as convergências conceituais e do PCASP em seus sistemas contábeis, de forma paralela, para que ganhem tempo de assimilação técnica e para que proporcionem a evidenciação do DCASP. E obviamente os contadores e demais profissionais deverão aprofundar e acompanhar tais trabalhos.
Enfim, o que se pode inferir é que a contabilidade municipal está em processo de mutação, ou seja, na iminência de exercer a “Ciência da Contabilidade”. Porque, até então, a prática foi no sentido de atender a lei 4.320/64, mas não a contabilidade em seu sentido amplo. Com essa nova postura do governo federal em consolidar as contas nacionais de forma a convergir com os padrões internacionais, os contadores e demais profissionais da área pública deverão entender que se trata de uma mudança cultural. Terão também que se dedicar para recepcionar os novos conceitos e procedimentos para que juntos consigam atender as exigências legais e institucionais e contribuir com o país para um desenvolvimento econômico e aperfeiçoamento das atividades governamentais.

Fonte: Texto de Waldna Fraga Silva, contadora e gerente da Assessoria Técnica da Coordenação Técnica da AMM
waldna@amm.org.br

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